quarta-feira, 14 de maio de 2014

Os desigrejados: procura-se uma boa igreja. Procura-se bons pastores

Falar de catolicismo no Brasil é falar de pelo menos duas importantes categorias: os católicos praticantes e os católicos não praticantes. Segundo levantamento da PNAD, corroborado pelo Censo, e pela vivência que experimentamos no cotidiano, a maioria dos católicos não vivencia sua fé com muita regularidade. Pelo menos nos grandes centros, a assiduidade se limita a eventos marcantes, ritos de passagem, como o são o batismo, a primeira comunhão, a crisma e o casamento.
Em termos de mundo protestante/evangélico, no entanto, para além dos ritos de passagem que sempre lotam as igrejas, uma categoria de análise a mais se nos apresenta: temos os evangélicos diretamente ligados a uma igreja (praticantes), temos os afastados (não praticantes), desiludidos por conta de alguma decepção eclesiástica, quase sempre ligada a problemas de relacionamento, e temos os que agora parecem estar bem mais “na moda”; os desigrejados (praticantes, mas sem líderes e sem um ambiente formal de prática).
Os desigrejados não são pessoas que se afastaram da fé. Não são pessoas que decidiram “chutar o balde”, caindo na gandaia do mundão, e fazendo tudo o que a igreja chama de pecado ou desvio da fé e conduta cristãs. Não, os desigrejados não são pessoas que estão abandonando os ensinos de Jesus Cristo, bem como não são pessoas decepcionadas com Deus ou com a Bíblia. Os desigrejados são simplesmente ovelhas que não têm pastor; é gente séria, procurando igreja séria, mas sem qualquer sucesso nesta empreitada.
Tais desigrejados surgem no início do século XXI, como resposta à polarização que se efetivou com muita força no mundo evangélico brasileiro da última década. Cansados de um neopentecostalismo avassalador – e de sua teologia da prosperidade – de um lado, e de um moralismo castrador, de igrejas demasiado conservadoras, de outro, os desigrejados formaram o grupo mais interessante do movimento evangélico contemporâneo, haja vista ter fomentado – e estar fomentando – uma série de reflexões acerca da caminhada da igreja evangélica brasileira.
Justamente por conta de uma séria reflexão sobre o seu lugar na igreja e no mundo, este grupo tem chamado bastante a atenção, uma vez que, ávidos por uma mensagem bíblica profunda e sincera (daquelas que não partem da premissa de que os ouvintes são idiotas alienados), aliada a uma relevância social num mundo deveras desigual e corrompido, os sem igreja se nos apresentam como um importante grupo a se conquistar.
Os desigrejados não estão em busca de prosperidade material e nem de milagres sem limites e a qualquer custo. Em geral, é gente com boa condição financeira e de saúde. Além disso, por conta da formação que conseguiram ter e pela reflexão que desenvolvem, essas pessoas pedem bem pouco de uma igreja e de um pastor. Assim, nem é tão difícil responder às suas demandas, pois rapidamente se pode enxergar a essência do cristianismo naquilo que tal grupo pleiteia, já que nossos irmãos pedem apenas um pastor que tenha ouvidos realmente interessados em ouvir e ombros realmente interessados em suportar o peso de uma ovelha, como quer o Evangelho.
Talvez já estejam em curso as estratégias para reintegrar tal grupo a uma comunidade de fé. No entanto, dogmatismos e intolerâncias sem limites não ajudarão em nada, pois a maioria dos pastores não tem a formação e as informações de que dispõem os desigrejados. Do mesmo modo, promessas mirabolantes não estão na ordem do dia, já que, para um desigrejado, papo de Malafaia, Valdemiro, Macedo, Miguel Ângelo, dentre outros, já se tornou, no mínimo, mensagem de procedência maligna.

liberdade, beleza e Graça...

sábado, 10 de maio de 2014

Café Filosófico: Flávio Gikovate - A Felicidade Depende Do Auto-Conhecim...

Palestra INTELIGENCIA EMOCIONAL - Saiba usar a sua para crescer - Flávio...

Os desigrejados - é possível ser cristão sem frequentar uma igreja?

Conversas com alunos 06.

        Para mim, teologia é a busca de respostas às questões que são vivas e interessantes. Posto isso, sinto a necessidade de escrever algo sobre a questão do desigrejamento[1] com base na pergunta de um querido aluno. A pergunta era a seguinte: é possível ser cristão e não frequentar uma igreja?
         Primeiramente devemos considerar o que é ser cristão. Biblicamente é aquele indivíduo que tenta ser um pequeno cristo, ou seja, que considera Jesus como filho de Deus, ou Deus dependendo de onde historicamente você estiver, e que tente de uma forma ou de outra manifestar as mesmas coisas que o Jesus dos quatro evangelhos manifestou. Certamente que os megalomaníacos acham que é sair por ai fazendo milagres, coisa que ninguém faz tendo em vista a fila dos postos de saúde que não param de crescer, mas é possível sair por ai demonstrando amor e perdão pelas pessoas. Logicamente que o ensino do Cristo Bíblico é um pouco mais complicado e extenso que cuidar, amar, perdoar e amar, mas parece praticável em qualquer contexto e cultura.
                Posto isso, a igreja que em grego é a assembleia dos cristãos, tem a finalidade de reprodução social do discurso cristão. Calma, complicado mais explico. A igreja é a instituição social que tem como finalidade reforçar a prática e o discurso cristão e portanto, ela deveria apresentar, ensinar e revitalizar o discurso enquanto prática cotidiana. Mas, suponha que essa instituição social não faça isso, que ela não ensine corretamente os ensinos de Jesus, que ela apenas cobre condutas impossíveis de seus membros, condutas as quais nem seus sacerdotes fazem. Então, ao invés dela reproduzir socialmente os valores do reino de Deus, elas apenas institucionaliza uma dada doutrina histórica e exerça sobre seus membros poder social e político que este lhe dê seu dizimo.
                Mas pode piorar. Agora imagine que no que tange a espiritualidade essa igreja acredite que seu membro ideal deva ser um neurótico, com surtos todos os domingo. Neurose, uma inflamação de neurônios, no sentido de tomar para si narrativas simbólicas religiosas e permanecer focado nelas por meses, até que a igreja apresente outra historia em outro evento para que a pessoa continue em pânico e permaneça ali. E não estou me referindo às neopentecostais.
Então o sujeito, vai nessa igreja, acredita na coisa de Jesus, mas depois de alguns anos percebe que é insuportável viver naquela comunidade, assim como nas demais. Será que ele está errado? Pode até estar, entretanto, é por falta de opção que se afasta tendo em vista que não consegue ver motivo que compense o custo de gastar seu tempo ali. Pode-se evocar o argumento de que a Bíblia ordena isso ou aquilo, mas o fato é que as pessoas vão a um lugar quando tem um bom motivo para fazê-lo, e eu acredito que os desigrejador simplesmente perderam esse motivo. Além do fato que as pessoas, que frequentam não dão a mínima para a Bíblia, pois alguns leram e poucos entenderam.
                Estava ouvindo um debate sobre o tema (com Augustos Nicodemus), e apareceu um termo interessante que é a palavra decepção. Os celebres pensadores da mesa argumentaram acertadamente que grande parte dos desigrejados são pessoas que se decepcionaram com a igreja. Contra isso argumentaram que as pessoas não podem ficar decepcionadas com a igreja e que por mais que ela erre não há motivo para abandona-la. Em resumo, sugeriram que os decepcionados com a igreja são crianças que deveriam engolir o choro e voltar a “comunhão e aos sacramentos”.
                Eu até concordaria com esse argumento, em outro momento da minha vida eu defenderia isso certamente, mas como sou um desigrejado e talvez o pior de todos eles, penso que esse argumento é tremendamente falho e perturbador. Falho porque desconsidera que a igreja, no processo de evangelização (proselitismo) e na educação cristã, faz promessas que Deus nunca fez, e que ao não serem cumpridas causa muita dor. Perturbador, pois ao invés de olhar para a igreja, acusam os desistentes de serem fracos e melindrosos, e dão a entender que essas pessoas deveriam se comportar como mulheres que ao serem agredidas pelos maridos, permaneçam fiéis a estes. Além do fato de que o argumento de que os sacramentos podem comunicar graça ao fiel é algo triste, religiosamente primário e existencialmente infantil.
                A pergunta era: é possível ser cristão e não frequentar a igreja? É difícil, mas às vezes é a única forma possível, tendo em vista a quantidade de igrejas ruins que existem por aí. Biblicamente a igreja tinha seu valor enquanto comunidade dos santos, onda as pessoas atuavam coletivamente e eram atendidas coletivamente. Não há indicação da necessidade esotérica de ter certificado de batismo, carteirinha de membro, unção do pastor nem cobertura espiritual. Se havia relação era entre mestre e discípulo no aprendizado, e considerando Lucas, notamos que eles transitavam constantemente entre grupos, mesmo com discursos distintos.
                Existem algumas igrejas que tentam fazer algo bom para as pessoas e seu valor deve ser reconhecido e destacado. Entretanto, essa noção contemporânea de igreja evangélica tornou-se cansativa, chata, cheia de rituais e coisinhas que com o tempo enjoam qualquer pessoa. Se elas querem resgatar os desigrejados devem repensar sua prática e suas ações, de modo que possam responder às necessidades espirituais destas pessoas que apesar de terem desistido da igreja, ainda teimam em buscar o caminho de Jesus.



[1] Desigrejado é o cristão evangélicos que apesar de ser cristão não frequenta nem é filiado e uma igreja, denominação ou comunidade religiosa.