sábado, 10 de maio de 2014

Os desigrejados - é possível ser cristão sem frequentar uma igreja?

Conversas com alunos 06.

        Para mim, teologia é a busca de respostas às questões que são vivas e interessantes. Posto isso, sinto a necessidade de escrever algo sobre a questão do desigrejamento[1] com base na pergunta de um querido aluno. A pergunta era a seguinte: é possível ser cristão e não frequentar uma igreja?
         Primeiramente devemos considerar o que é ser cristão. Biblicamente é aquele indivíduo que tenta ser um pequeno cristo, ou seja, que considera Jesus como filho de Deus, ou Deus dependendo de onde historicamente você estiver, e que tente de uma forma ou de outra manifestar as mesmas coisas que o Jesus dos quatro evangelhos manifestou. Certamente que os megalomaníacos acham que é sair por ai fazendo milagres, coisa que ninguém faz tendo em vista a fila dos postos de saúde que não param de crescer, mas é possível sair por ai demonstrando amor e perdão pelas pessoas. Logicamente que o ensino do Cristo Bíblico é um pouco mais complicado e extenso que cuidar, amar, perdoar e amar, mas parece praticável em qualquer contexto e cultura.
                Posto isso, a igreja que em grego é a assembleia dos cristãos, tem a finalidade de reprodução social do discurso cristão. Calma, complicado mais explico. A igreja é a instituição social que tem como finalidade reforçar a prática e o discurso cristão e portanto, ela deveria apresentar, ensinar e revitalizar o discurso enquanto prática cotidiana. Mas, suponha que essa instituição social não faça isso, que ela não ensine corretamente os ensinos de Jesus, que ela apenas cobre condutas impossíveis de seus membros, condutas as quais nem seus sacerdotes fazem. Então, ao invés dela reproduzir socialmente os valores do reino de Deus, elas apenas institucionaliza uma dada doutrina histórica e exerça sobre seus membros poder social e político que este lhe dê seu dizimo.
                Mas pode piorar. Agora imagine que no que tange a espiritualidade essa igreja acredite que seu membro ideal deva ser um neurótico, com surtos todos os domingo. Neurose, uma inflamação de neurônios, no sentido de tomar para si narrativas simbólicas religiosas e permanecer focado nelas por meses, até que a igreja apresente outra historia em outro evento para que a pessoa continue em pânico e permaneça ali. E não estou me referindo às neopentecostais.
Então o sujeito, vai nessa igreja, acredita na coisa de Jesus, mas depois de alguns anos percebe que é insuportável viver naquela comunidade, assim como nas demais. Será que ele está errado? Pode até estar, entretanto, é por falta de opção que se afasta tendo em vista que não consegue ver motivo que compense o custo de gastar seu tempo ali. Pode-se evocar o argumento de que a Bíblia ordena isso ou aquilo, mas o fato é que as pessoas vão a um lugar quando tem um bom motivo para fazê-lo, e eu acredito que os desigrejador simplesmente perderam esse motivo. Além do fato que as pessoas, que frequentam não dão a mínima para a Bíblia, pois alguns leram e poucos entenderam.
                Estava ouvindo um debate sobre o tema (com Augustos Nicodemus), e apareceu um termo interessante que é a palavra decepção. Os celebres pensadores da mesa argumentaram acertadamente que grande parte dos desigrejados são pessoas que se decepcionaram com a igreja. Contra isso argumentaram que as pessoas não podem ficar decepcionadas com a igreja e que por mais que ela erre não há motivo para abandona-la. Em resumo, sugeriram que os decepcionados com a igreja são crianças que deveriam engolir o choro e voltar a “comunhão e aos sacramentos”.
                Eu até concordaria com esse argumento, em outro momento da minha vida eu defenderia isso certamente, mas como sou um desigrejado e talvez o pior de todos eles, penso que esse argumento é tremendamente falho e perturbador. Falho porque desconsidera que a igreja, no processo de evangelização (proselitismo) e na educação cristã, faz promessas que Deus nunca fez, e que ao não serem cumpridas causa muita dor. Perturbador, pois ao invés de olhar para a igreja, acusam os desistentes de serem fracos e melindrosos, e dão a entender que essas pessoas deveriam se comportar como mulheres que ao serem agredidas pelos maridos, permaneçam fiéis a estes. Além do fato de que o argumento de que os sacramentos podem comunicar graça ao fiel é algo triste, religiosamente primário e existencialmente infantil.
                A pergunta era: é possível ser cristão e não frequentar a igreja? É difícil, mas às vezes é a única forma possível, tendo em vista a quantidade de igrejas ruins que existem por aí. Biblicamente a igreja tinha seu valor enquanto comunidade dos santos, onda as pessoas atuavam coletivamente e eram atendidas coletivamente. Não há indicação da necessidade esotérica de ter certificado de batismo, carteirinha de membro, unção do pastor nem cobertura espiritual. Se havia relação era entre mestre e discípulo no aprendizado, e considerando Lucas, notamos que eles transitavam constantemente entre grupos, mesmo com discursos distintos.
                Existem algumas igrejas que tentam fazer algo bom para as pessoas e seu valor deve ser reconhecido e destacado. Entretanto, essa noção contemporânea de igreja evangélica tornou-se cansativa, chata, cheia de rituais e coisinhas que com o tempo enjoam qualquer pessoa. Se elas querem resgatar os desigrejados devem repensar sua prática e suas ações, de modo que possam responder às necessidades espirituais destas pessoas que apesar de terem desistido da igreja, ainda teimam em buscar o caminho de Jesus.



[1] Desigrejado é o cristão evangélicos que apesar de ser cristão não frequenta nem é filiado e uma igreja, denominação ou comunidade religiosa.

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