Nos últimos meses, o Mato Grosso do
Sul tem passado por lutas e conflitos. Não que isso seja novidade, e não que
isso fosse inesperado, mas que o conflito geralmente gera no cidadão comum
confusão e opiniões contraditórias. A confusão é boa quando causa um movimento
mental espiritual na busca de clareza e da estruturação de alguma ordem ao
caos, ordenação das ideias e o vislumbramento de um caminho a seguir.
Gostaria, portanto de escrever sobre o que vi na
minha visita ao acampamento dos índios Terena na região de Sidrolândia/Buriti
no Mato Grosso do Sul, sobre o que percebi de sua luta, sobre seus rostos, suas
expectativas e aproveitar para tecer alguns comentários. Que sejam as minhas
impressões, mas que elas possam gerar a disposição mental no leitor para buscar
mais informações a respeito do tema, antes de fechar os olhos para a questão.
Quando saí de Campo Grande, pensei
que encontraria um cenário de guerra, com pessoas armadas e agressivas como em
outros espaços que já estive. Encontrei pessoas, homens, mulheres e crianças,
em posição de guerra, esperando a resolução do processo. Não estavam em posição
militar, não tinham armas a vista (se tinham eu não vi...), esperavam a hora do
almoço simples, organizavam suas vidas, mas sempre olhando para a estrada. A
guerra para eles era tomar posse fisicamente de um espaço, tornando-o seu
território por sua presença.
Percebi que eram pessoas que haviam
saído de suas casas na esperança de conquistar aquilo que acreditam lhes
pertencer. De fato, várias vez ouvi comentarem que os mais antigos contavam que
haviam vivido naquela região, e que foram expulsos. Há de certa forma um
discurso do retorno ao local de origem. Em nenhum momento foi referido algo
religioso como argumento para a posse da terra, apenas que elas eram habitadas
no período do pós-guerra e na época do Marechal Rondon, e depois foram sendo
tomadas pela coalizão entre fazendeiros e governo local.
Os relatos dos conflitos, da morte
de Oziel Gabriel[1],
das emboscadas, dos jagunços, dos enfrentamentos mostravam um pouco da coragem
dessas pessoas. Quando narraram seus confrontos, falavam sobre enfrentar, sobre
as façanhas de impedir a entrada na área e de sobreviverem a tiroteios, mas não
ouvi nenhuma palavra sobre matar policial ou matar fazendeiro. Em outros
movimentos, houve-se isso, e abandonando a hipocrisia da grande mídia, seria
normal o surgimento destes discursos mais violentos.
Todo movimento implica em violência,
alias a violência física, tanto de uma parte quanto de outra, é precedida pela
violência simbólica. A mídia considera o movimento como invasão, como roubo de
propriedade alheia, mas curiosamente não se destaca os atos de violência
perpetrados ao longo da história. É curioso como pouco se fala das
consequências da guerra do Paraguai, a reordenação do território do sul do Mato
Grosso, as lendas de violência, etc.
A perda de uma vida, além dos feridos é parte do
alto preso do processo. É lógico que não são crianças, sabem os riscos que
estavam correndo desde que saíram de suas casas, mas que mesmo assim sofrem,
choram e lamentam suas perdas. É o custo existencial da busca por direitos e da
busca por aquilo que consideram como justo e justiça.
Em todos os quatro acampamentos que
visitamos, fomos recebidos com orações. Sim, a maior parte destas pessoas são
de origem evangélica, não poucos dos líderes são filhos de pastores ou parentes
destes. Isso demonstra que um dos principais fatores que possibilitam a
existência deste movimento de retomada é a escolarização, que de alguma forma
propicia a cidadania. Historicamente, os evangélicos dentre os terenas tiveram
melhores possibilidades de acesso a educação fundamental, e nas presentes
gerações essa herança manifesta-se na busca por formação superior. Não que as
igrejas evangélicas incentivem o movimento, mas que seu incentivo no sentido
dos estudos gerou o efeito colateral da conscientização, como já sugeriria
Paulo Freire. É pouco estatisticamente, mas rende muito em termos de
transformação social.
É interessante o quanto a cultura
brasileira pode ser esquizofrênica. Reclama-se nos botequins ou cantinas de
igreja, que o brasileiro é passivo, e deveria se inspirar nos argentinos que
costumam ir as ruas protestar. Agora que alguns setores aprenderam a fazer
isso, acusa-se os grupos que se manifestam de serem baderneiros, quem vai
entender o povo?
Não creio ser útil idealizar os
terenas. São um povo com suas qualidades e defeitos, alias, são um grupo de
cidadãos brasileiros normais, que estão na busca de vida melhor. Neste sentido,
são exemplo para o restante da população que permanece passiva perante os
problemas do dia a dia. Alias, grande parte da população não faz ideia dos
problemas reais que lhes aflige, não podendo reagir contra aquilo e aqueles que
lhes causam dor. Os terenas acreditam que a resolução de seus problemas virá
com a posse da terra, eu diria que isso não resolverá tudo, mas ajudará o grupo
em diversos aspectos.
E quanto aos demais cidadãos brasileiros? Quais as
causa de seus problemas, suas dores e de sua pobreza? Identificada às causas,
soluções poderão ser propostas e lutas devem ser travadas, novas lutas virão,
mas é melhor sofrer lutando do que resignar.
Mudanças não virão de graça, pelo menos as mudanças
positivas...
Conflitos em Sidrolândia, Terenas, Índios Terena, Guarda Nacional, Fathel, Luta pela Terra, Viagem,
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