quarta-feira, 30 de novembro de 2011

G1 - Índios de Mato Grosso buscam na escola manter viva a língua nativa - notícias em Mato Grosso

G1 - Índios de Mato Grosso buscam na escola manter viva a língua nativa - notícias em Mato Grosso:

29/11/2011 08h42 - Atualizado em 29/11/2011 08h42

Índios de Mato Grosso buscam na escola manter viva a língua nativa

Índios umutinas quase foram extintos após primeiro contato com não índios.
No país, segundo a Funai, existem 180 linguagens indígenas conhecidas.

Ericksen VitalDo G1 MT

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sede administrativa da aldeia umutina  (Foto: Ericksen Vital / G1)Sede administrativa da aldeia indígena umutina em Mato Grosso (Foto: Ericksen Vital / G1)

Os índios umutinas de Mato Grosso não falam mais diariamente a língua original. Eles adotaram o português como idioma oficial na aldeia localizada próximo ao município de Barra do Bugres, à beira do Rio Paraguai, distante 160 km de Cuiabá. O resgate da linguagem tradicional é um dos desafios para os 150 alunos da escola indígena da aldeia.

O esquecimento da língua dos antepassados, segundo pesquisadores e os próprios índios, é resultado do contato com os chamados não índios. No Brasil, estima-se que 1,3 mil línguas indígenas diferentes eram faladas no ano de 1.500 e hoje apenas cerca de 180 linguagens são conhecidas.

No começo do século passado, os umutinas quase foram extintos, mas conseguiram se reerguer formando um grande povoado com estrutura semelhante ao de uma pequena cidade do interior do país. O local possui luz elétrica, acesso à internet e telefonia móvel, além de casas de médio porte, escola estruturada e posto de saúde. No entanto, restaram apenas dois idosos, com mais de 95 anos, que trazem consigo a língua umutina.

Segundo explicou a cacique Creuza Umutina, primeira mulher no país a chegar ao mais alto posto indígena, os índios deixaram de falar a língua original por imposição dos homens brancos. Ela comentou que muitos índios apanhavam quando falavam a língua umutina e, com o passar do tempo, o contato marcado por violência fez com que os índios esquecessem a própria identidade linguística.

índios estudando dentro de sala de aula em aldeia de MT (Foto: Ericksen Vital / G1)Índios estudam para manter vivo o idioma original na escola localizada na aldeia (Foto: Ericksen Vital / G1)

“A gente sabe que a língua número um da aldeia é o português. E a tendência é não voltarmos a falar fluentemente o idioma dos nossos pais e avôs. Mas acreditamos que é possível preservar a nossa língua mesmo que parcialmente”, declarou a professora Dulcinéia Tan Huare, diretora da Escola Estadual de Educação Indígena Julá Paré, que está instalada quase no centro da aldeia.

Hoje a escola estadual, que tem oito anos, tem 150 alunos matriculados em diversas séries, desde o pré até o terceiro ano do ensino médio. Ao todo, no estado há 69 escolas indígenas que ensinam conteúdos próprios das 43 etnias que atualmente vivem em Mato Grosso, conforme informações da Secretaria Estadual de Educação (Seduc).

A professora está à frente da escola e diz que tem buscado ensinar o currículo oficial exigido pelo Ministério da Educação (MEC), que avaliza o diploma obtido pelos alunos indígenas. No entanto, ao mesmo tempo, explicou a professora, a escola busca estimular dentro de sala de aula aspectos importantes da cultura e da linguagem indígena. "A cultura está viva de novo", comentou.

A diretora da escola explicou ao G1, que atualmente a comunidade escolar tem buscado resgatar a cultura linguística dos seus antepassados e recuperar os seus valores culturais mais íntimos.

Hana Eduarda, de 11 anos, é uma das estudantes que está aprendendo a falar o idioma tradicional. Ao mesmo tempo, ela também busca estudar as outras disciplinas para conseguir realizar o sonho de ser médica. “Quero estudar bastante, apreender os costumes também, mas quero um dia ser médica. Quem sabe voltar à aldeia e ajudar as pessoas”, disse.

Escola umutina localizada dentro da aldeia em MT (Foto: Ericksen Vital / G1)Escola umutina localizada dentro da aldeia em MT
(Foto: Ericksen Vital / G1)

Segundo a professora, os estudantes como Hana aprendem, por exemplo, o conteúdo semelhante ao ensinado nas escolas urbanas. Porém, com uma diferença básica: a inserção no quadro curricular de disciplinas específicas de resgate da antiga cultura indígena.

Na Escola Julá Paré, que leva o nome de um dos últimos índios falantes do idioma umutina, existe uma matéria específica voltada para o ensino da cultura dos umutinas. Os alunos aprendem as músicas, danças, rituais e tradições dos índios, além da língua tradicional. “Os alunos conseguem assim apreender principais frases e palavras umutinas e se comunicar como antigamente”, comentou a diretora, que já foi aluna e professora de inglês na escola.

O idioma umutina ensinado em cada sala de aula aos jovens foi repassado por Julá Paré, um índio, como dizem, legítimo. Ele morreu em 2004, mas deixou como legado algumas palavras e frases próprias do dialeto umutina, que é uma derivação da língua dos bororos.

A cacique Creuza explicou que Julá Paré era um grande líder no qual ela tenta se inspirar na administração da aldeia. Ela comentou que, na atualidade, apenas dois idosos, com mais de 95 anos, conseguem se lembrar da língua umutina. Eles colaboram, como podem, repassando as informações sobre a linguagem materna aos mais jovens e professores. “Hoje meus netos já começam a falar a nossa língua umutina assim como meus antepassados. Isso é motivo de muito orgulho”, comentou a cacique.

Apesar de ensinar conteúdos próprios da cultura indígena, a diretora destacou que a escola cumpre as 200 horas de aulas exigidas pelo MEC e ensina todas as disciplinas fixas como português, matemática e história, entre outras.

índio diz que internet conectou aldeia ao mundo (Foto: Ericksen Vital / G1)Índio disse que internet conectou aldeia ao mundo
(Foto: Ericksen Vital / G1)

Na escola, também está o único lugar com acesso à internet da aldeia. São vinte computadores que são disponibilizados para os moradores, mas, principalmente, aos alunos. O índio Genelúcio Oliveira Keri, estudante de 21 anos, disse que a internet permitiu à aldeia se conectar ao mundo. “Nós conseguimos falar com pessoas diferentes do mundo todo, que a gente nem pensava em conhecer. Trocamos experiências”, comentou o jovem.

A diretora da unidade salientou ainda que os 15 professores que compõem o quadro de profissionais - todos eles pós-graduados – procuram, em muitos casos, regionalizar as informações ensinadas aos estudantes. Por exemplo, na disciplina de geografia, disse a professora, além de informações sobre o relevo dos continentes e do Brasil, os alunos aprendem, em aulas de campo, como é constituída a aldeia onde eles vivem.

Costumes indígenas
Além das disciplinas com foco na cultura umutina, outra diferenciação em relação aos colégios das cidades é o calendário. Ele é diferenciado e obedece aos costumes indígenas do local.

Durante quase todo o mês de abril, por exemplo, a escola faz uma série de programações focadas na cultura indígena. Ela comentou que os pais, tios e avôs participam com mais afinco neste período das atividades escolares, ensinando a fazer comidas típicas, cantar músicas, dançar e contar histórias sobre os costumes antigos.

Ex-cacique ensina os mais novos a fazer arco e flecha (Foto: Ericksen Vital / G1)Ex-cacique ensina os índios mais novos a fazer
arco e flecha (Foto: Ericksen Vital / G1)

O cacique aposentado Garival Calomisoré, de 64 anos, é um dos que ensina aos mais jovens a arte indígena. Ele confecciona arcos e flechas em sua casa. “Desde guris aprendemos como o arco e flecha é um instrumento importante. Esse é o jeito de a gente pegar um peixe e caçar. Todos nós já crescemos sabendo que esse é um meio de garantir a nossa sobrevivência”, comentou.

A superintendente de Diversidades Educacionais da Seduc, Debora Pedrotti, disse que estas unidades buscam incentivar o resgate das culturais indígenas locais. “As escolas têm matrizes curriculares próprias. O objetivo é fortalecer a identidade cultural dos povos indígenas, mantendo viva a cultura, a língua e a religiosidade dos jovens”, declarou.

História trágica
Segundo o pesquisador indígena aposentado e presidente da Associação de Amigos do Museu Rondon, Antonio João de Jesus, os umutinas foram quase dizimados no começo do século passado. Eles ficaram doentes e foram mortos pelo contato com os não índios.

Restaram pouco mais de vinte umutinas legítimos na região ao longo do Rio Paraguai e com a instalação de uma linha telegráfica em Barra do Bugres pela equipe do Marechal Cândido Rondon, por volta de 1911, os índios passaram a ser “protegidos” pelos expedicionários.

casas de aldeia indigena umutina em Mato Grosso (Foto: Ericksen Vital / G1)Casas construídas na aldeia umutina.
(Foto: Ericksen Vital / G1)

“Eles estavam sendo oprimidos pelo avançar dos homens civilizados que infestavam as aldeias de doenças. Muitos morreram”, comentou o pesquisador. Após o contato com os umutinas, Rondon trouxe outros índios de diferentes locais do estado de Mato Grosso para morar na região onde está instalada a aldeia, onde hoje vivem 500 pessoas de nove etnias diferentes.

O pesquisador lembrou, porém, um ponto importante referente à identidade dos moradores da aldeia próximo a Barra do Bugres. “Todos os índios que vivem nas terras umutinas, independentemente das diferentes etnias originárias, se consideram como umutinas devido ao sentimento de união que existe entre eles”.



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