domingo, 3 de abril de 2011

Sobre a pluralidade religiosa, tolerância e a crítica teológica...

Sobre a pluralidade religiosa, tolerância e a crítica teológica...


Conversa com alunos (1)

Nada mais útil para a produção teológica do que conversar com alunos de seminário. Recentemente me aconteceu uma conversa interessante, onde tratamos de certa frase utilizada durante a aula, onde eu dizia que acreditava que todas as religiões serem aceitáveis, e que por causa disso, todos tem o direito de acreditar no que bem lhe parecer.

Mas o fato, e é que via de regra, e apesar da luta dos liberais e neo-ortodoxos, ainda assim, o sistema pressupõe a noção de verdade e mentira, de certo ou errados; e ainda mais, se formos mais fundo, notaremos que poderiam ser percebidas algumas matizes entre o certo e o errados, (não certo, mas não errado...semi-certo e o anti-certo...), que mesmo sendo diversas, são necessariamente arbitrarias. Assim, vamos analisar a minha proposição de forma à demonstrar as razões paradoxais para crer e interpretar os dados da realidade dessa forma..

Primeiramente, temos que tratar do objeto em questão, a religião, e como ela se encaixa na engrenagem social. Sim, as religiões revolvem-se como os vermes na carne putrefada da sociedade (Nietsche). Ou as religiões brotam como flores no jardim da sociedade, como queria o caro leitor. Mas essas criaturas, a religião, são todas do mesmo gênero se relacionam, elas trocam material genético, se canibalizam, se convertem em outras coisas, se re-significam, e continuam historicamente desempenhando seu papel. As religiões primitivas e as contemporâneas nascem da insegurança dos seres humanos perante o mundo frio e tenebroso, e convenhamos que nada indica que iram acabar tão cedo.

Se partirmos do Método Sociológico de Durkheim, apontado a religião como um órgão universamente útil das sociedades, uma casa epistemológica primitiva, uma manifestação da própria sociedade na forma de ritu e credo, poderíamos chegar a conclusão que uma sociedade precisa de uma religião, pois esta, associada ao estado e a família, daria o mote da vida grupal. Durkheim, Augusto Comte e mesmo Rousseau, achariam que a religião está ali com uma função muito clara para a evolução da coisa social. Neste sentido, que por idealismo ou puro surto esquizofrênico, Comte inventou a Igreja positivista, como uma parodia da igreja cristã, com a finalidade de cultuar a luz da razão. Pena que ele não tinha o talento comercial de um Macedo, ou o apelo emocional de um Kardec, pena ou ainda bem?

Mas o que me importa é que a religião, deixa de ser central na sociedade ocidental devido, primeiramente, a separação entre o estado e a igreja, e os conceitos de tolerância religiosa que surgiram no século XVII. Tal fenômeno político não apenas trouxa para o ocidente novas religiões, mas isso também possibilitou a pulverização das organizações religiosas cristas em denominações e seitas diversas. De fato, a lógica comercial no ocidente traz uma mudança fundamental no campo religioso, que se não destruiu os grandes monopólios, possibilitou a sobrevivência dos novos atores. Então, na sociedade ocidental, temos que a escolha religiosa é feita com base em anseios pessoais, e não por respeito à tradicionalidade. Sim, existem grupos que ainda respeitam essa noção, mas no ocidente a tendência é cada vez mais a escolha baseada no individualismo, ou no máximo, baseado nas esferas sociais mais próximas.

A melhor teoria para se analisar isso é a ação comunicativa de Weber, e ainda, se considerarmos Freud e sua turma com algum cuidado, notaremos que o espírito dessa era faz necessário uma transformação nas alianças sematico-cogniticas que dão estrutura a realidade. Se o universo virtual é uma novidade, ele sempre existiu nas religiões, e ainda, na sociedade moderna, converteu-se em oásis em meio a fumaça das fabricas e a falta de beleza da vida miserável.

Talvez seja por isso que Marx tenha entendido a religião com narcótico popular, e que se num primeiro momento era apenas um apêndice, no segundo deveria ser combatida em nome da revolução do proletariado. A religião é um bem do burguês, uma força dos senhores, e um sistema que faz senhores. Não que ele esteja longe da verdade, mas que ainda que mudem as estruturas sociais e políticas de uma região, a cultura do povo ainda gerará demandas de natureza plenamente religiosa, que serão resolvidas de forma legal ou não, pois a droga-adição é sempre assim.

A Individualidade na modernidade é um fenômeno compulsório da quebra das estruturas locais, onde primeiramente, no final da idade média, a autoridade foi passada da tribo / feudo para o estado, e agora está se passando para o super-estado, e tende a relacionar o individuo diretamente com a noção de humanidade. (Norbert Elias).

Então, em uma sociedade moderna, ocidental, capitalista, as pessoas têm direito de fazer e escolher o que melhor lhe convém. Portanto, mesmo sendo um professor de teologia, não tenho o direito de condenar qual quer que sejam as práticas e modalidade religiosas que por ventura alguém venha a praticar. A não ser, é claro, religiões e grupos que afirmam o nazismo, o anti-semitismo, o preconceito racial, a homofobia ou que combatam de uma forma ou de outra a idéia de liberdade e democracia.

Mas então está tudo certo? Não, pelo contrario. Pois apesar de acreditar que todas as pessoas têm o direito de ir e vir, e fazer o que melhor lhes pareça, temos que existem referenciais, e a partir destes podemos plenamente julgar e construir parecerem sobre as religiões, e formas religiosas.

Se uma religião qualquer afirma-se em uma certa tradição, posso, como semi-teólogo classificá-la e aponta-lhe as falhas de interpretação das próprias doutrinas. O erro está nas lógicas internas das proposições que tal e tal religião propõe. Igualmente, dentro do cristianismo, minha área de atuação, existe a Bíblia e a tradição da igreja como referenciais históricos que ajudam a avaliar práticas, ritos, doutrinas e demais aspectos da vivencia religiosa.

Tem ainda o caso de outras religiões que usam a Bíblia como argumento para defender suas teses e princípios. Essas são via de regra, risíveis, e merecem ser expostas, pois se alguém lê a Bíblia, tem que ser julgado pela hermenêutica bíblica e pela teologia bíblica. A Bíblia possui varias interpretações, mas existem coisas que são obvias de mais para serem ignoradas. Se por exemplo, alguém resolve ser espírita, não vejo problemas, eu mesmo nunca me tornaria espírita, mas o problema é de cada um. Mas então, esse alguém vem me dizer que o espiritismo é embasado em Kardec, eu concordarei, e poderei até questioná-lo com base no pensamento do tal, mas se o sujeito vem e me diz que o espiritismo é bíblico, então precisará ser liberto do seu engano. Assim, como um evangélico fundamentalista, que deve, na minha opinião, levar sua religião da forma que lhe parecer melhor, mas se ele vem me dizer que sua leitura bíblica é a mais correta, então deverá ser liberto de seu engano.

Algum fundamentalista argumentaria que existe o certo e o errado, e que apenas um pode estar certo, e portanto, os demais estariam errados a priore. O fato, é que nenhum movimento fundamentalista consegue sobreviver a qualquer questionamento com respeito a historia e a validade de seus próprios dogmas, sem apelar para afirmações não filosóficas, fechando perspectivas tautológicas e traiçoeiras que se não destroem a argumentação do oponente, difamam sua pessoa como incrédulo maldito....Exemplo disso são as questões como aborto e a homofobia, se alguns não é contra essas coisas, automaticamente torna-se aborteiro e pro-gay, e ainda, como se isso fosse importante para qualquer discussão. Então, a verdade, nesta perspectiva pode até existir, entretanto, no que tange a religião, ela não deve ser imposta. A escolha de uma religião não é, e nunca foi, doutrinaria, mas sim resultado de processos sociais e de busca de inclusão, portanto cada um se encontra no lugar que melhor se encaixa. Além dos mais, já temos (os cristãos) dúzias de batráquio conceituais e epistemológicos que temos que tolerar nas outras áreas (impostos, política, educação, etc..), que pelo menos na religião, dever-se-ia ter mais tranqüilidade de fazer o que bem se deseja.

Assim, todos estão certos, todos têm o direito de optar e fazer o que melhor lhes parece, mas ao mesmo tempo posso considera-lhes todos errados (de fato acho isso), apesar de acreditar que devo aceita-los como pessoas como eu, assim como me cabe o direito de postar minha opinião, como cidadão e como teólogo.

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