sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Slavoj Žižek: Velhacaria Hipster | Papo de Homem

Slavoj Žižek: Velhacaria Hipster | WTF #9:

Matéria do Papo de Homem...

Notinha do editor: Segundo a Wikipedia, Slavoj Žižek (esloveno AFI[ˈslavoj ˈʒiʒɛk]Liubliana21 de Março de 1949) é um filósofo e teórico crítico esloveno. É professor da European Graduate School e pesquisador sénior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. É também professor visitante em várias universidadesestadunidenses, entre as quais estão a Universidade de ColumbiaPrinceton, a New School for Social Research, de Nova Iorque, e a Universidade de Michigan.

Žižek é esse cara tranquilão aqui
Vamos começar repetindo o ad hominem do título: Slavoj não é muito mais do que um entertainer. Como filósofo, não passa de um aldrabão.
Porém a confluência de fatores que o levaram a fama envolvem não só seu carisma e prestidigitação emocional de plateias, mas uma permissividade generalizada no campo geral do que preferimos chamar “ciências humanas”, e que o escândalo Sokal bem revelou.
Lacan disse que seus “escritos” não deveriam ser entendidos racionalmente, mas sim lidos como se para produzir um efeito de iluminação semelhante a textos místicos. A estratégia obscurantista é, portanto, a da constante epifania através de apofenia e constante apresentação de dissonâncias cognitivas tentando produzir um simulacro de experiência religiosa.
O vazio existencial e expectativa espiritual do ouvinte são assim preenchidos de tagarelice infindável e circular sobre uma terminologia crepuscular (um duplofalar que muitas vezes busca significar exatamente o oposto do que explicitamente significa) e referências íntimas e próximas ao ouvinte: no passado o jargão da psicanálise ou da própria filosofia, a partir dos anos 90, da cultura pop.
O efeito é uma mistura de piada interna com nonsense ou falta de base epistemológica que, a princípio, parece liberador. O obscurantismo é essencialmente uma falsificação do que seria profundo – e isso explica tanto seu fascínio quanto sua tragédia.

O espírito divino e o malte dos deuses/a boca da sarjeta e a violência doméstica

O abuso da linguagem por Žižek e seus comparsas é como um “se-por-uísque”  (onde você não deixa claro se está defendendo ou atacando uma tese) somado a linguagem carregada e que poderíamos apropriadamente chamar de sensacionalismo filosófico.
A isso podemos adicionar aquela adorável mania pós-moderna, abusada por Camile Paglia em Personas Sexuais e David Foster Wallace em muitos de seus escritos (e que talvez tenha começado com Roland Barthes), e que felizmente foi tão usada que já está saindo de moda, já que afinal os anos 90 acabaram faz tempo, de apresentar cultura erudita no meio da mais rasa cultura pop, com um efeitinho geek supostamente divetido. É o 9gag em meio ao Jstor.

Não.
Os defensores­ de Žižek dizem que ele, como o profeta Lacan, não tem uma tese ou filosofia, mas quase que apenas um modo de ser e pensar em voz alta e em público. Isso justifica um pouco mais o ad hominem, não é mesmo? Criticar as ideias de Žižek é fazer o que ele mesmo sempre faz com elas: as deixa tão “livres” de qualquer lastro que o horror da violência étnica se torna o sagrado, e vice-versa – se choca, tá valendo.
Žižek brinca, numa palestra que ouvi, de comissário de um regime totalitário:
“Aquelas duas pessoas que saíram no meio da palestra, anote o nome delas, depois vamos interrogá-las, etc.”
E o maior regozijo que encontra é exatamente na quase sádica incerteza epistêmica que representa: ah, que irônico, mas será que … não, ele está brincando, mas brincando de brincar de estar brincando, no fundo, é só, como se diz em inglês smoke and mirrors – não tem nada ali senão o efeito de “cócega mental” que ele produz na plateia imatura.

Isso me dá um tique-tique nervoso

A maior parte das pessoas envolvidas com filosofia que conheci tem o que na medicina tibetana se costuma chamar “distúrbio de lung”, “ventos” internos desregulados. Aqui, uma questão de ovo e galinha: será que as pessoas se fascinam pela masturbação conceitual porque tem distúrbio de lung ou vice-versa? Na verdade as duas coisas se complementam e se reforçam.
Quando estudei filosofia um dos professores tinha moscas volantes que frequentemente confundia com moscas reais: então ele começava a dar aula e logo se encontrava espantando moscas com as mãos – daí lembrava, em voz alta:
“Ah, é mesmo, eu tenho essas moscas volantes no olho, sempre esqueço delas”
Isso numa aula de epistemologia te leva a pensar se ele não está fazendo um teatrinho para ilustrar um ponto: mas após acontecer uma dezena de vezes, você começa a ver que é simplesmente lung desordenado mesmo. Reagia automaticamente aos pontos, e levava alguns segundos para lembrar-se da própria condição médica! Žižek não fica um instante sem coçar o nariz, ou a orelha, ou limpar o suor da testa, ou ajustar a camisa: põe tique nervoso nisso.

Link YouTube | 2 minutos. Infinitos tiques e toques e tuques
Não sei que medicamentos ele toma, mas com aquelas olheiras profundas e esses tiques, ele devia repensar sua atividade filosófica. Não está fazendo bem para ele.
Menciono a medicina tibetana e a conexão entre a aparência física e maneirismos dele com sua “atividade filosófica” porque ele abriu a porta para isso, ao se meter com o budismo. De fato, eu o ignoraria completamente se eu mesmo não tivesse essa conexão e vez que outra me vendo tendo que lidar com pessoas que me perguntam “ei, e a crítica do Slavoj Žižek ao budismo, hein? Como vocês respondem?”.
Da mesma forma, não sou especialista em Lacan ou outros obscurantistas, porque – a maior parte da filosofia é assim, mas em particular isso é verdade com os mais obscurantistas, isto é, aqueles que não fazem nenhum esforço de falar claramente e ter teses claras, etc. – é como areia movediça: quando mais você se mexe ali dentro, mais impossível escapar.
Não existe propriamente um critério que possa ser usado para avaliar a… dá para usar várias palavras: validade, utilidade, coerência, aplicabilidade, funcionalidade, praticalidade, mas enfim “pra quê essa merda” é a ideia, por trás de toda a pataquada.
Aliás, toda essa alucinação verbal parece servir exatamente para evitar que a pessoa avalie tudo isso, e cada vez mais se volte ao discurso, ao texto, como um fim em si só. Daí inclusive ser tão comum chamar esse tipo de coisa de “masturbação”.

O Charlie Sheen da filosofia

O que é preciso que se diga é que, na civilização budista (não vou usar religião, filosofia ou ciência para me referir a esse fenômeno cultural), uma expressão pessoal como a de Žižek não seria respeitada. Você simplesmente não iria querer contratar um mendigo para fazer consultoria para sua vida financeira, não é mesmo? Então você, da mesma forma, não ouviria um balão de vento convulsivo sobre viver bem ou entender o mundo, que é o que se considera válido como expressão verbal no millieu budista.
Mesmo um charlatão, no escopo budista, consegue se portar elegantemente e suavemente – convincentemente nesse âmbito – não há lugar para um Charlie Sheen em pleno surto. Aliás, esse é um exemplo bom: porque há um fascínio na figura trágica de Sheen no seu momento mais público, e da mesma forma surge o fascínio pelo surto žižequiano. Há nos dois o fascínio pelo over the top, e pelo velho safado, bem como da decadência pela decadência.

É mais ou menos isso. Nada. É exatamente assim
Ademais, especificamente, entendo um pouco de budismo, e assim posso avaliar bastante precisamente o charlatanismo de Žižek com relação ao assunto. Muitas vezes, ao expressar uma ou outra ideia sobre a tradição, já começa se defendendo “eu ouvi isso de gente que sabe, gente que debateu comigo”.
Não tenho ideia de quão errado ele possa estar sobre seu mestre Lacan, ou sobre o marxismo ou sobre Gangnam Style, o filme “Projeto X – Uma Festa Fora de Controle” ou Justin Bieber — alguns de seus assuntos possíveis, e que já ocorreram em suas palestras, sempre precedidos por uma desculpa ao estilo “não estou só fazendo troça, não é o intelectual francês que vem aqui ridicularizar a cultura jeca norte-americana… não se trata disso” — mas, novamente, é e não é, simultaneamente e como melhor cair ao ouvido de quem ouve… “se por uísque…” Quanto a esses assuntos, não sei.
Porém tenho boa clareza sobre alguns erros específicos dele sobre o budismo, e mais do que isso, sobre uma ingenuidade geral com relação a vastidão e complexidade da tradição budista.

Budismo não é o que você pensa

O budismo é vasto (em quantidade de textos, tempo de existência e adaptação a culturas) e complexo, mas Žižek, pela falta de clareza, adiciona pelo menos uma outra dimensão de complexidade. Algumas das coisas que Žižek reprimenda no budismo (ou às vezes, sempre é bom reiterar, elogia com certa ironia sem determinação epistêmica: é uma ironia de um elogio que se torna um elogio maior porque é irônico ou trata-se efetivamente de um uso de sarcasmo, etc, ad infinitum: cócegas na plateia hipster) são, a bem da verdade,
1. Versões de entendimentos acadêmicos do budismo, com variáveis níveis de pertinência;
2. Versões populares de entendimentos do budismo, que o demonstram parcialmente em sua aplicação atual;
3. uma série de desentendimentos sobre o budismo, que são também comuns numa plateia de curiosos sobre o tema. Claro que as três coisas não são nem mesmo distinguidas, ele pode começar a frase com uma, e terminar com outra: e do que o budismo propriamente ensina, Žižek cala completamente em todos os casos.

Simplificar o mal, dessa maneira, só pode ser parte de uma comédia quase sem graça
Típico de Žižek: “o budismo antigo até tem seu valor, mas o mahayana… o mahayana é do mal”. Agora, lembre, caro leitor, que quando Žižek diz que algo é do mal, isso simultaneamente é um elogio e uma crítica, e ele se deleita em especificamente não deixar isso claro. Mas porque o budismo mahayana seria “do mal”? Por causa do ideal do bodisatva, alguém que abandona o ideal do nirvana para trabalhar pelo bem dos seres que não atingiram esse resultado.
E como Žižek interpreta isso? No viés psicanalítico dele, ele vê isso como uma espécie de “postergação” da recompensa, em detrimento de um idealismo romântico.
Porém o buraco do mahayana é bem mais embaixo, sr. Žižek.
Assim como o seu “do mal” pode ser uma glória do terror sagrado, nirvana não é um termo unívoco na tradição budista. Algumas escolas vão dizer que o nirvana é um objetivo de escolas inferiores, outras vão dizer que samsara (o sofrimento cíclico infindável a que os seres normalmente estão presos) e nirvana não são essencialmente diferentes. O nirvana que Žižek consegue entender, é fácil logo ver, é como uma heroína conceitual: é da mesma natureza das epifanias que gosta de criar e absorver, apenas talvez um pouco maior (ele se questiona se já não atingiu o nirvana, em determinado ponto de uma palestra).
Essa é uma visão popular comum do nirvana. Não há, por exemplo, um cuidado para examinar todas as miríades de coisas que as pessoas costumam confundir com nirvana e são descritas nos textos budistas. A explicação do nirvana é, comumente, uma via negativa, isto é, o que mais se faz é explicar o que ele não é. E ele não é um tipo de esclarecimento intelectual ou orgasmo diluído, como muitas vezes somos levados a pensar, até pelo uso corriqueiro do termo.

Querer sofrer é parte da definição de sofrimento

Mas quando Žižek fala do sofrimento, é aí que ele pisa mais feio na bola. Para os psicanalistas, em geral, há duas coisas muito problemáticas com o budismo: primeiro é o fato de que o Buda afirma a possibilidade de total libertação do sofrimento e da neurose. Mas tudo bem, digamos que essa seja uma visão de fé, uma perspectiva religiosa do budismo, essa crença no potencial máximo do ser humano ser a liberdade perante todas as formas de hábito aprisionante.
A segunda complicação que a psicanálise vê com o budismo é essa demonização do sofrimento: ora, Žižek afirma:
Tem gente que gosta de sofrer”

Créditos: http://www.malvados.com.br/
E mais que isso, volta e meia surge um psicanalista dizendo “sem o sofrimento, como o artista x teria criado a obra y? Numa cultura budista, não teríamos a arte z!”. Porém, o que toda essa gente equivoca é o uso peculiar do termo sofrimento no budismo. Devido a traduções antigas e ao hábito formado pelo uso dessas traduções, muitas vezes segue-se usando “sofrimento” para falar de duhkha, porém em geral qualquer palestra introdutória de budismo vai começar explicando que sofrimento não é bem apenas dor, mágoa, angústia.
E não é, também, apenas o fato de que nada realmente nos conforta, embora isso também seja verdade. Duhkha é, antes de tudo, o fato de que nossas expectativas e perspectivas, nossa visão do mundo e das coisas, nos trai vez após vez. Existe dor, angústia e falta de conforto nisso, insatisfatoriedade: mas o ponto é que, se você não reconhece, não muda nada. Nossa própria aparente satisfação, ou nosso masoquismo, ou nossa justificação de que o sofrimento é bom e nos é útil, são todas parte de duhkha.
Assim, quando Žižek diz que nem todo mundo quer deixar de sofrer, ele precisa reconhecer que, sim, há masoquistas no mundo, o budismo os reconhece. Mas… como dizia Nelson Rodrigues, sádico mesmo é aquele que não bate no masoquista. Não querer deixar de sofrer é um sofrimento muito comum bem reconhecido pelo budismo. É só uma ignorância um pouco maior.
Ademais, a primeira reflexão que se faz no budismo é sobre o sofrimento, o que é samsara, e assim por diante: porque nossa tendência usual é não reconhecê-lo e continuar indo atrás dele! Se não fosse assim, toda a parafernália inicial do budismo, nos recomendando refletir sobre isso e chegar a uma conclusão vivencial sobre isso seria redundante.
Quando o Dalai Lama fala que todos os seres querem deixar de sofrer e encontrar a felicidade — de onde vem a acusação de Žižek de que não seria bem assim — ele não repara que Sua Santidade está sendo, na perspectiva budista, bastante contraintuitivo!
Essa afirmação é bastante incomum no budismo. Com essa afirmação o Dalai Lama está dizendo três coisas: que os seres são basicamente iguais, ou iguais no que diz respeito a isso; que os seres sofrem, são insatisfeitos, tem problemas; e que no fundo, muito no fundo, essa ânsia é espiritual. Mas ele diz isso de uma forma extremamente neutra: ninguém vai negar que busca um copo d’água quando está com sede (mesmo um asceta tem e busca certas felicidades).
E, como disse logo acima, se trata-se de um masoquista, é exatamente no sofrimento físico que ele busca felicidade, nada de tão estranho nisso.

Autores irrelevantes


A seguir, o senhor Žižek cita D. T. Suzuki, no seu argumento clássico militarista, em que as pessoas treinadas no budismo matam muito melhor. O meditador não vê um assassinato: vê uma lâmina afiada passando por um pescoço macio, é uma visão meramente estética, uma “vacuidade” desse tipo.
Duas coisas aqui: sim, é verdade que, particularmente no Japão, o budismo e os métodos budistas foram abusados para a guerra e para a matança. A meditação é um método anterior ao budismo, a pessoa pode meditar para jogar videogames melhor, se ela não tem a motivação correta: e ela vai fazer tudo melhor se meditar, inclusive atirar para matar com muito mais precisão e sangue de barata.
Mas isso não é o que o budismo ensina, isso é uma distorção do budismo, e um método que o budismo usa para um fim sendo usado para outros fins. A segunda coisa é que D. T. Suzuki é datado e ninguém no budismo o respeita! Porque ele está lendo D. T. Suzuki sobre budismo?

A vacuidade e o capitalismo bombado de esteróides

Ainda assim, a crítica de Žižek, neste caso, é boa. É boa porque apresenta uma verdade histórica sobre o budismo (o militarismo budista, a ética e estética do samurai como incluída no millieu budista, etc.) e uma reflexão sobre o que significa “vacuidade”.
Ele menciona que nesses tempos de algoritmos controlando a bolsa de valores, onde tudo é tão virtual, o budismo é de fato a ontologia (a não-ontologia, ele diria melhor) que melhor funciona na mente do corretor da bolsa e homem de negócios que tem que lidar com essa volatilidade toda. Isso surge como uma crítica marxista, mas vem junto com um elogio, como sempre. A menção de Steve Jobs (cuja ligação com o budismo e a filosofia oriental são nada mais que uma breve curiosidade) é relevante para o viés que a população tem do budismo.
A crítica original de Žižek é que o budismo substituiu o socialismo como foco de engajamento para a baixa intelectualidade ou a alta classe-média: e de fato, enquanto religião, o marxismo é, aparentemente, inferior ao budismo. Ainda assim, o Dalai Lama, exilado por maoístas e defensor de um povo estuprado (culturalmente, economicamente, fisicamente) pelo confúcio-marxismo chinês, se diz, ele mesmo, socialista!
A competitividade é um dos 5 principais venenos ou aflições da mente para o budismo, pode haver miríades de benesses no capitalismo, mas o budismo nunca vai poder coadunar com o cerne conservador da exploração e da competitividade desmedidas, muito menos com o centramento absoluto na eficiência (da sociedade, dos mercados, etc).
Agora, dizer que o budismo não coaduna não quer dizer que o budismo não penetre em todos os âmbitos, em particular aqueles em que há grande potencial de transformação. O praticante budista é o tempo todo confrontado com a ideia de que os grandes bodisatvas (exatamente aqueles que Žižek considera totalmente errados) penetrem em âmbitos degradados para ajudar os seres naquelas condições. Assim, pode haver “agendes secretos” em todos os níveis: cripto-animais (animais que são na verdade bodisatvas), cripto-prostitutas, cripto-corretores-da-bolsa.
Acho até que Žižek ia achar ironia nisso também, mas o fato é que, entre uma ação as poucas ações viáveis e uma ação perfeita, o praticante budista segue o que se chama “meios hábeis”: uma coisa meio McGyver, onde o chiclete e a bomba a ser desarmada são um ou dois venenos na sua mente, ou um leve benefício para alguém, e a sua mesa de trabalho, onde quer que ela fique.
Há engajamento político e revolucionário nisso na medida em que uma miríade de ações desse tipo em rede produz mudanças efetivas nos muitos mundos em que os seres operam.

Pontinha do iceberg


Muito mais budismo do que julga a nossa vã filosofia
Há também o que Žižek, e o ocidente, desconhece sobre o budismo – e que é vasto. Temos menos de 5% das obras budistas traduzidas para línguas ocidentais: isso é muito generoso, alguns eruditos falam em menos de 1%. Entre algumas coisas que eu, que não leio em nenhuma língua asiática, percebo que Žižek perdeu completamente, é, por exemplo, algo como a tradição indiana dos mahasiddhas – cujos poderes mágicos não são o ponto mais interessante.
Žižek poderia ter visto um grande pluralismo nas diferentes apresentações sociais desses mestres budistas: um era gay, outro um rei, outro um monge, outro um pescador, etc. Até mesmo um filósofo de olheiras e tiques nervosos como Žižek poderia se identificar com algum deles. Porém, creio que pluralismo é uma noção que Žižek não particularmente defende: não dá ibope ou cócegas pós-modernas.
Também a questão da política e do budismo, bem como da linguagem e budismo, totalmente escapam a ele: consigo conceber inúmeros exemplos ótimos que ele poderia distorcer totalmente e fazer um discurso ainda mais cheio de entretenimento descuidado, mas que, felizmente, porque ele não fez o tema de casa, ele desconhece. O que ele pega para criticar são vacuidade e sofrimento muito mal compreendidos.

“O problema do mal” é incompatível com o “sistema operacional” budista

Curiosamente, ele fala muito do mal, que não é uma questão budista que se apresente: trata-se de uma neurose judaico-cristã: nunca vi budista tocando no assunto, senão para dizer que alguém que se comporte mal e prejudique os outros vai inevitavelmente e infelizmente sofrer também, e que faz isso como alguém que toma veneno sem olhar o rótulo.
O que nós chamamos de mal, coisas como o holocausto e outras tantas que não gostamos de trivializar, no fundo são apenas superestruturas coletivas construídas com base nas mesmas ignorâncias pessoais que nos levam as pequenas corrupções cotidianas de roubar material de escritório ou fazer um comentário irritado que magoa alguém.
Tente explicar a noção do mal para um professor budista pouco familiar com o ocidente. Verifique quantos dias você vai levar nessa empreitada: uma coisa que existe no mundo, na realidade, e externa a pessoa, e que pode até mesmo se tornar um bode-espiatório ou desculpa para as maiores atrocidades? Ou uma característica intrínseca da mente humana a que todos estamos sujeitos inevitavelmente?

“Heh… não entendi não. Me explica de novo”
Você vai passar dias tentando explicar essa noção, e, se você tiver muito conhecimento do assunto e muita paciência, é possível que os professores budistas tenham uma melhor ideia do grau de confusão filosófica da mente ocidental.

Uau, como ninguém tinha pensado nisso? Criticar o budismo, claro!

Žižek critica o budismo porque também isso, por si só, é inusitado. As relações públicas do budismo são excelentes: as únicas críticas que surgem são eventualmente estéticas (é meio massificado, é brega) ou com alguma ocorrência pontual (monges que caem na porrada uns com os outros).
Quando surge em conversa, e até isso é um pouco žižequiano, já todo mundo é um pouco assim, para manter conversa é preciso levantar uma oposiçãozinha, não é mesmo?
Como bom entertainer, ele vai exatamente atrás do que rende mais polêmica e é mais impensável.
(Este rant foi inspirado em parte pelo texto Zizek waxes on about Zionism, Sex, Gangnam Style, Justin Bieber, the Pope, and Buddhism)




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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Desenvolvimento na Amazônia: várias incógnitas. Entrevista especial com Adriana Ramos

Desenvolvimento na Amazônia: várias incógnitas. Entrevista especial com Adriana Ramos:
vi no racismo ambiental...
“Tudo que se conhece sobre a Amazônia, em relação aos ciclos econômicos, não encontra parâmetros naquilo que está sendo planejado”, diz a coordenadora executiva do Instituto Socioambiental – ISA.



Os projetos de infraestrutura e desenvolvimento previstos para a Amazônia nos próximos anos requerem uma discussão acerca do desenvolvimento das cidades e da economia regional, pontua Adriana Ramos em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Segundo ela, os investimentos no setor energético e de mineração na Amazônia são preocupantes por causa do alto impacto ambiental e social, os quais não contribuem efetivamente para o desenvolvimento da região. Ao propor uma reflexão sobre o modelo desenvolvimentista em curso, ela enfatiza que o “Brasil tem um papel muito importante nesse processo, não só pelos projetos na Amazônia brasileira, mas também pelo fato de que o Brasil é o principal financiador de projetos similares em outros países da Amazônia”.
Ao comentar obras como a de Belo Monte, Adriana menciona a necessidade de discutir o “desenvolvimento das cidades na Amazônia, porque a Amazônia tem uma população majoritariamente urbana, mas essa urbanização não é similar às outras regiões do país”. Segundo ela, “há uma série de deficiências de equipamentos de infraestrutura urbana nas cidades da Amazônia e uma pressão muito grande também das atividades econômicas. Então, como assegurar que a qualidade de vida das cidades e que o modelo das cidades amazônicas estejam adequados à realidade regional?”, questiona.
Na avaliação dela, “a ausência do poder público” impede a garantia dos direitos básicos à população durante a realização dos empreendimentos. “Por isso, começam a ter os processos de compensação dessas grandes obras, investimentos na área de saneamento básico, de instalação de postos de saúde, escolas, que deveriam ser, digamos, a obrigação do poder público e que acabam sendo realizados como se fossem uma coisa trazida por um benefício dos empreendimentos”, critica.
Adriana Ramos (foto) é graduada em Comunicação Social e morou em Manaus entre 1991 e 1994. Trabalha no ISA em Brasília desde 1995 como assessora de políticas públicas. Atualmente é coordenadora da iniciativa amazônica e membro do Conselho Diretor do ISA.
Confira a entrevista. 
IHU On-Line – Como a infraestrutura e o desenvolvimento foram discutidos no VI Encontro do Fórum Amazônia Sustentável e II Encontro Panamazônico do Fórum Amazônia Sustentável e Articulação Regional da Amazônia – ARA, realizados recentemente?
Adriana Ramos – Discutiu-se a questão da infraestrutura a partir do grande desafio desses megaprojetos de infraestrutura pensados para a Amazônia. Na primeira sessão foi destacado o fato de que tudo que se conhece sobre a Amazônia, em relação aos ciclos econômicos, não encontra parâmetros naquilo que está sendo planejado. Então, sabemos como a Amazônia reage a certo tipo de intervenção, quais são os impactos e os riscos. Então, o que vai ser a Amazônia após a implementação dessa infraestrutura, principalmente, considerando a forma como ela vem sendo implementada, com uma série de problemas nos processos de licenciamento ambiental, com uma série de deficiências nos processos de consulta ou inclusão social? São incógnitas. O Brasil tem um papel muito importante nesse processo, não só pelos projetos na Amazônia brasileira, mas também pelo fato de que o Brasil é o principal financiador de projetos similares em outros países da Amazônia. Então, temos de assumir a responsabilidade de fazer esse debate sobre o que será essa região no futuro e como será possível desenvolver a região de um modo menos predatório.
Alternativas 
Além disso, o debate sobre o desenvolvimento abarca também a discussão sobre quais são as alternativas a esse modelo. Nessa perspectiva, é preciso pensar a sustentabilidade da floresta, da biodiversidade, que depende, no caso do Brasil, de ter uma legislação adequada para que o país possa, de fato, se beneficiar do potencial de uso, por exemplo, biotecnológico da biodiversidade, assegurando às comunidades locais, que são responsáveis pela manutenção desse patrimônio, direitos e benefícios. Também discutimos o desenvolvimento das cidades na Amazônia, porque esta tem uma população majoritariamente urbana. Porém, essa urbanização não é similar às outras regiões do país. Há uma série de deficiências de equipamentos de infraestrutura urbana nas cidades da Amazônia e uma pressão muito grande também das atividades econômicas. Então, como assegurar que a qualidade de vida das cidades e que o modelo das cidades amazônicas estejam adequados à realidade regional?
IHU On-Line – Quais são os projetos de infraestrutura e desenvolvimento previstos para o futuro que mais causam ou causarão impacto na Amazônia?
Adriana Ramos – A importância que tem sido dada à mineração na balança comercial da região é preocupante, porque a atividade de mineração é de alto impacto, e agora estamos em fase de rediscutir o Código de Mineração, e protestar diante da abertura da mineração em terras indígenas. Então, nos preocupa muito a forma como esse processo vai avançar.
Há uma deficiência da infraestrutura, por exemplo, de telecomunicações, que não é devidamente tratada nos projetos em desenvolvimento. De certa forma, é uma nova rodada de exploração na Amazônia pelo resto do Brasil e do mundo, não necessariamente configurando projeto de desenvolvimento para a própria região amazônica. Essa é uma das características desse modelo, que causa muita preocupação, porque o que temos visto é que as populações da própria região são as que mais sofrem os impactos e as deficiências do atendimento que acontece.
Preocupa também a expansão do agronegócio no sentido de que as grandes expansões de terra para a monocultura, muitas vezes, são pagas pela exportação, criando um desequilíbrio e pressão sobre a questão fundiária e a presença das populações tradicionais. Além disso, esses grandes projetos têm desregulamentados outros setores, e a mudança do Código Florestal demonstra isso. Recentemente houve uma notícia no jornal de que o setor rural apresentou ao candidato à presidência da Câmara, Henrique Alves, a agenda prioritária que inclui a discussão da legislação trabalhista, a qualificação da questão do trabalho escravo, que é uma tentativa de desconsiderar a qualificação do trabalho escravo como é feita hoje, e a discussão da questão indígena, já que existem inúmeras propostas tramitando no Congresso Nacional que tentam diminuir a garantia dos direitos indígenas. Então, os grandes processos econômicos estão associados ao processo de desregulação que podem agravar esse quadro.
IHU On-Line – Uma das sugestões para reverter o atual projeto de desenvolvimento na Amazônia é investir no desenvolvimento da economia regional. Em que consiste essa proposta especificamente?
Adriana Ramos – Essa proposta questiona a infraestrutura proposta para a região. Entendemos que esse projeto de infraestrutura está inserido num projeto de desenvolvimento nacional, mas que não é regional, porque a região não será desenvolvida. Pretendemos, portanto, com essa proposta aumentar, dar mais valor, mais espaço para projetos de desenvolvimento a partir das riquezas da região, para a própria região.
Tem, por exemplo, um conjunto de comunidades locais que desenvolvem projetos, no plural, de uso sustentável da biodiversidade e da floresta. Esse projeto poderia ser ampliado no estado, contribuindo, também, para a valorização da cultura dessas comunidades. Na região existem exemplos bem sucedidos de produtos que são comercializados para a região: o açaí, por exemplo, virou um produto de exportação tanto para o Brasil quanto para o resto do mundo, a partir da iniciativa dos microempreendedores. Além disso, a floresta tem nas madeiras um conjunto de riquezas de grande potencial, como o desenvolvimento de produtos a nível local, como óleos.
Outro problema é a substituição da agricultura familiar pelos grandes plantios. Quer dizer, é preciso encontrar formas de garantir a manutenção da agricultura familiar, porque ela é muito mais inclusiva socialmente. Além disso, a floresta tem um conjunto de riquezas de grande potencial, como o desenvolvimento de produtos a nível local, como madeiras e óleo.
IHU On-Line – Qual a situação social e econômica das populações que vivem próximas às áreas florestais? Quais os impactos sociais desses projetos de infraestrutura?
Adriana Ramos – Há uma situação de grande fragilidade dos sistemas de atendimento público na área de saúde, de educação, saneamento básico. Então, as cidades da Amazônia têm uma carência grande de atendimento de serviços básicos, de estrutura, de geração de empregos. E, por ocasião dos grandes empreendimentos, muitas pessoas migram para a região na expectativa de que ela irá se desenvolver. Uma das questões que se discute nesse sentido é a ausência do poder público para garantir os direitos básicos à população. Por isso começam a ter os processos de compensação dessas grandes obras, investimentos na área de saneamento básico, de instalação de postos de saúde, escolas, que deveriam ser, digamos, a obrigação do poder público e que acabam sendo realizados como se fossem uma coisa trazida por um benefício dos empreendimentos.
Muitas vezes essas iniciativas não são concretizadas no sentido de serem implementadas, pelo menos não a tempo de dar conta do aumento das demandas sobre esses serviços causados pela migração. Basta ver o exemplo de Altamira, por causa de Belo Monte. Os investimentos prévios, que deveriam ter sido feitos na cidade não só para atender a população, mas também para garantir a chegada desse contingente de novos trabalhadores não foram realizados. A cidade entrou em colapso: há um aumento indiscriminado no preço dos aluguéis e uma incapacidade do sistema público de saúde e de educação em dar conta dessa demanda. Trata-se de uma cidade que já tinha uma série de fragilidades, que foram agravadas com a construção de Belo Monte. Quando a obra de Belo Monte acabar, uma parte desse contingente ficará na cidade, e ela continuará sobrecarregada. Outra parte desse contingente migrará para novas obras e irá gerar essa mesma situação de caos em outras localidades.
Se vamos optar por esse modelo de grandes obras, temos conhecimento de causa de lições aprendidas em casos anteriores, e sabemos exatamente o que é preciso fazer, como investir previamente para preparar a cidade? Se a sociedade tem a consciência de quais são os impactos e quais são os benefícios, ela pode aceitar isso, mas para que isso aconteça, é preciso que os processos, primeiro, sejam transparentes e negociados devidamente, e, em segundo lugar, que de fato a população tenha algum tipo de benefício, ou seja, que esses investimentos cheguem. Então, não se trata de ser contra o modelo como um todo necessariamente, mas sim contra a forma como esse modelo vem sendo implementado. Isso porque ele está longe de assegurar qualquer tipo de sustentabilidade ambiental ou social e, de repente, até econômica, porque temos visto que essas obras são calculadas sem levar em consideração esses investimentos.



IHU On-Line – Quais são os interesses econômicos e políticos entrelaçados com esses projetos de infraestrutura e desenvolvimento? Tem interesses internacionais envolvidos nesses projetos?
Adriana Ramos – Com certeza. Vivemos numa economia globalizada em que é muito difícil fazer essa distinção entre empreendimentos nacionais e internacionais. Então, uma parte da energia gerada na Amazônia será utilizada para a produção de alumínio, que é registrada por empresas nacionais e estrangeiras que, evidentemente, se qualificam com empresas nacionais e com empresas internacionais. Além disso, uma parte dessa produção será utilizada para a exportação. De certa forma, estamos exportando nossa água, a nossa qualidade ambiental dos rios. Isso porque, no momento em que se faz uma barragem para gerar energia para a produção de alumínio que vai para a exportação, esse alumínio tem um preço barato, visto as empresas não pagam pelas águas que usam e a energia é barata por conta do modelo de financiamento dessas obras. Então, sem dúvida nenhuma outros interesses se conectam com as políticas elaboradas no Brasil historicamente.
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/516249-desenvolvimento-na-amazonia-varias-incognitas-entrevista-especial-com-adriana-ramos

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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Perigo dos grandes líderes religiosos


 by Marcos Henrique 

            Estive refletindo sobre o perigo que os grandes lideres religiosos representa para o processo de desenvolvimento da liberdade humana. De fato, ao ler sobre os lideres religiosos, fica patente na literatura o grande numero de escândalos que envolve essas pessoas e suas instituições. Gostaria, de refletir brevemente sobre tema segundo o viés da necessidade de gerarmos cidadãos socialmente ativos e autônomos, politicamente capacitados a refletirem e a tomar decisões pessoais, sociais e políticas dentro das possibilidades de liberdade que nos são propostas, apesar de não serem efetivas plenamente na prática.
            Antes disso, é importante refletir sobre  certo habito dos antigos grego, instituição essa conhecida como ostracismo. O ostracismo era a perda de direitos políticos por causa da fama e da notoriedade. Aparentemente parece não fazer sentido, conquanto tira das pessoas famosas e conhecidas o direito de se candidatar a cargos políticos e ou exercer poder nas assembleias. Mas o sentido disso incide no fato de que as decisões, considerando o processo democrático necessita da existência da isonomia entre os indivíduos que participam da decisão, dando justiça ao processo. É como no caso das guerras, onde as pessoas que moravam nas regiões próximas eram tiradas dos pleitos conquanto, sendo as mais prejudicadas não deveriam influencia nas decisões da coletividade. Isso parece estranho, mas evitaria no Brasil a ascensão de criaturas estranhas como o Tiririca e os pastores de segunda categoria. ‘
            O cristianismo nasce em um período posterior do processo democrático, conquanto no império Romano, apesar de ser tributário aos antigos gregos, não conseguir em seu processo administrativo mundial, ampliar o poder dos membros locais no processos decisórios, tornando-se assim muito mais aristocrático do que democrático. O cristianismo entretanto, por ter se desenvolvido em um território periféricos (palestina e Ásia menor), avançando em direção a Grécia, acaba adotando alguns elementos fortemente democráticos, conquanto até o nome de sua organização, a Eclesias, é um artefato democrático por natureza. Aliás, uma leitura do texto do livro de atos dos apóstolos deixa isso relativamente claro. Isso implica que o cristianismo não suportaria a noção de guru, conquanto seus lideres era conhecedores da fé, e portanto, não era pessoas com poderes especiais ou méritos espirituais muito além do comum. isso parece estranho se considerarmos que a igreja católica tornou esses pregadores e mestres em santos, coisas inconsistente com a mensagem cristã, de um Deus que se torna homem.
            Mas o que a Igreja Católica faz ao instituir o culto aos santos é voltar à atenção dos adeptos ao exemplo daquelas pessoas em prol da instituição. É uma forma de fortalecimento e consolidação de uma forma de heteronômia que possibilitavam manobras institucionais. Para deixar mais claro, o santo era apenas uma imagem, portadora de um mito, ou narrativa espiritual. Essa narrativa poderia ser mudada, evocada ou esquecida dependendo das necessidades institucionais. Assim, quando se deseja fazer guerra, é só lembrar o povo do exemplo de São Jorge[1], se deseja-se que o povo fique calmo, é só lembrar de São Francisco.
            Os protestantes fizeram a construção do processo de forma diferente, tanto por causa do momento histórico quanto devido às bases materiais que possibilitavam uma maior autonomia dos  indivíduos. A impressão que tenho que é que ninguém entendeu isso, e quando o capitalismo avançou, principalmente nos estados unidos da América, abre-se um ciclo, principalmente considerando os avivalistas midiáticos, a necessidade de gerar-se heróis e gurus que consigam animar o povo. Sim, eu já escutei essa frase nas igrejas evangélicas, e de fato é uma grande prioridade de pastores locais que precisam fazer a máquina eclesiástica funcionarem, aumentar a renda e o numero dos frequentadores.
            O guru contemporâneo é uma outra instância, que se aproxima muito desta noção de pastor personalista que contem e retém em si mesmo os poderes para a resolução dos problemas daqueles que o buscam.
            O leitor me perguntaria: qual o problema disso? Sim, se o sujeito, pastor ou guru, resolve meu problema, não seria isso uma coisa boa?
            Seria se fosse verdade, mas o caso é que geralmente eles não têm capacidade de resolver o problema, e quando resolvem, como no caso daqueles que tem poderes de cura (psicológicos) ou aqueles que têm habilidades com ervas e conhecimento tradicionais.
Primeiramente, o número de pessoas que morrem nessas coisas e relativamente alto, apesar de que os hospitais e médicos também não são capazes de ajudar muitos no final das contas, mas essas formas heterodoxas de cura, têm problemas sérios, e ainda, quando não funcionam, acabam atribuindo ao individuo, e não ao guru, a culpa da ineficácia do processo.
            Outro problema, que é o mais importante, é que uma vez estabelecido a relação guru x discípulo, este líder ter poderes muito fortes sobre a vida pessoal do indivíduo, de modo que a dependência impede que o individuo desenvolva as habilidades necessárias para resolver seu problemas, e o mais importantes, de perceber quando está sendo explorado ou abusado. Quando o guru prova seus poderes, é muito complicado de desconstruir na cabeça do discípulo a áurea numinosa que envolver o tal guru.
            Este texto faz parte de uma discussão maior, que é a questão da necessidade da demitologizaçao das grandes metanarraticas, a partir do período do iluminismo, em prol de se enfraquecer o poder institucional católico em prol da liberdade. Logicamente que a liberdade era para a burguesia ganha dinheiro, e o restante do processo como ciência e a filosofia veio como adendo do novo processo social que se desenvolveu a partir de então. Não que isso tenha sido ruim, porque o período anterior, baseado na estrutura nobiliárquica era bem pior em termos da desigualdade e da falta de acesso ao poder, mas que tudo teve um certe intencionalidade que deve ser destacada.
É neste mesmo período, no centro do capitalismo, acontece à ascensão dos pastes e “grandes”pregadores. Esses grandes pregadores, do passado e os atuais, sempre estiveram envolvidos em grandes escândalos, justamente porque a imagem que se constrói sobre essas carcaças é irreal e insuportável. Mediante tanto esforço e trabalho, o individuo chegará em um momento de crise onde se perguntará: se eu faço tanto bem as pessoas, se eu trabalho tanto, porque não posso ter acesso sexual a alguma das discípulas ou por que não tomar algum dinheiro para realizar um ou outro sonho? Isso considerando os bem-intencionados, porque aqueles que já começam com má intenção, fazem fortunas, praticam atrocidades de todos os tipos e nem vamos tratar sobre sua conduta sexual.
Moralismos a parte, o problema não é inventar uma seita para ter acesso sexual a discípulas mal amadas. De fato, dizem que há falta de homem no mercado, e não seria ruim ajudar sexualmente as pessoas, desde que isso seja explicitado a priore[2]. O problema é usar da confiança de pessoas que confiam em tradições antigas e respeitáveis, como a tradição cristã, católica ou protestante, ou de outras religiões que tem em seu escopo intenções realmente espirituais e sinceras.
            Como reflexão final, eu me pergunto qual é o problema da religião? Nenhum, elas em si mesma faz parte da cultura humana e da vivencia social. cada pessoas deveria ter o direito de crer e praticar o culto que melhor lhe satisfaça. Entretanto, pensando no projeto social baseado na democracia e na autonomia, devemos considerar quais formas e pensamento religiosos contribuem com o desenvolvimento de seres humanos sociamente integrados. Essa integração está relacionado não apenas ao processo e concordar com o sistema, alias, acho que ser critico ao sistema é a parte mais importante, mas que tenha a percepção de que os demais seres humanos seja diferentes em suas características e identidades, mas que acima de tudo seja seres humanos dignos de solidariedade e empatia.
            O processo de consolidação de lideranças muito fortes quebra a cadeia da isonomia entre os seres humanos, de modo a gerar a possibilidade que esse grande ser tenha mais direitos que os que demais mortais. Se em um momento histórico tais estruturas sociais foram justificáveis para consolidar grupos e cultura eu não discuto, entretanto no mundo que vivemos isso pode ser mais admitido.
            Precisamos de mestres, espirituais ou existenciais, mas que não sejam opressores nem colocados em berlidas luminosos como se fossem pessoas melhores do que as demais. Seres humanos não passam do que simplesmente são, e nada mais. Tudo que se afirma fora disso é um erro estruturador de outro erros, ilusões e desilusões...alias, querer ser igual e Deus é o pecado original, não é?


*** O texto pode conter erros de gramática ou digitação, se encontrar algum erro, me avise...


[1] São Jorge não é mais considerado como santo canônico..
[2] O mesmo pode ser dito para sacerdotiza mulheres que desejem satisfazer homem, noa que haja falta de mulher, mas que haveria uma demanda para isso. 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Adital - O comunismo ético de Oscar Niemeyer

Adital - O comunismo ético de Oscar Niemeyer:


O comunismo ético de Oscar Niemeyer


Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor


Não tive muitos encontros com Oscar Niemeyer. Mas os que tive foram longos e densos. Que falaria um arquiteto com um teólogo senão sobre Deus, sobre religião, sobre a injustiça dos pobres e sobre o sentido da vida?
Nas nossas conversas, sentia alguém com uma profunda saudade de Deus. Invejava-me que, me tendo por inteligente (na opinião dele) ainda assim acreditava em Deus, coisa que ele não conseguia. Mas eu o tranquilizava ao dizer: o importante não é crer ou não crer em Deus. Mas viver com ética, amor, solidariedade e compaixão pelos que mais sofrem. Pois, na tarde da vida, o que conta mesmo são tais coisas. E nesse ponto ele estava muito bem colocado. Seu olhar se perdia ao longe, com leve brilho.
Impressionou-se sobremaneira, certa feita, quando lhe disse a frase de um teólogo medieval: "Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe”. E ele retrucou: "mas que significa isso?” Eu respondi: "Deus não é um objeto que pode ser encontrado por ai; se assim fosse, ele seria uma parte do mundo e não Deus”. Mas então, perguntou ele: "que raio é esse Deus?” E eu, quase sussurrando, disse-lhe: "É uma espécie de Energia poderosa e amorosa que cria as condições para que as coisas possam existir; é mais ou menos como o olho: ele vê tudo mas não pode ver a si mesmo; ou como o pensamento: a força pela qual o pensamento pensa, não pode ser pensada”. E ele ficou pensativo. Mas continuou: "a teologia cristã diz isso?” Eu respondi: "diz mas tem vergonha de dizê-lo, porque então deveria antes calar que falar; e vive falando, especialmente os Papas”. Mas consolei-o com uma frase atribuída a Jorge Luis Borges, o grande argentino:”A teologia é uma ciência curiosa: nela tudo é verdadeiro, porque tudo é inventado”. Achou muita graça. Mais graça achou com uma bela trouvaille de um gari do Rio, o famoso "Gari Sorriso: "Deus é o vento e a lua; é a dinâmica do crescer; é aplaudir quem sobe e aparar quem desce”. Desconfio que Oscar não teria dificuldade de aceitar esse Deus tão humano e tão próximo a nós.
Mas sorriu com suavidade. E eu aproveitei para dizer: "Não é a mesma coisa com sua arquitetura? Nela tudo é bonito e simples, não porque é racional mas porque tudo é inventado e fruto da imaginação”. Nisso ele concordou adiantando que na arquitetura se inspira mais lendo poesia, romance e ficção do que se entregando a elucubrações intelectuais. E eu ponderei: "na religião é mais ou menos a mesma coisa: a grandeza da religião é a fantasia, a capacidade utópica de projetar reinos de justiça e céus de felicidade. E grande pensadores modernos da religião como Bloch, Goldman, Durkheim, Rubem Alves e outros não dizem outra coisa: o nosso equívoco foi colocar a religião na razão quando o seu nicho natural se encontra no imaginário e no princípio esperança. Ai ela mostra a sua verdade. E nos pode inspirar um sentido de vida.”
Para mim a grandeza de Oscar Niemeyer não reside apenas na sua genialidade, reconhecida e louvada no mundo inteiro. Mas na sua concepção da vida e da profundidade de seu comunismo. Para ele "a vida é um sopro”, leve e passageiro. Mas um sopro vivido com plena inteireza. Antes de mais nada, a vida para ele não era puro desfrute, mas criatividade e trabalho. Trabalhou até o fim, como Picazzo, produzindo mais de 600 obras. Mas como era inteiro, cultivava as artes, a literatura e as ciências. Ultimamente se pôs a estudar cosmologia e física quântica. Enchia-se de admiração e de espanto diante da grandeur do universo.
Mas mais que tudo cultivou a amizade, a solidariedade e a benquerença para com todos. "O importante não é a arquitetura” repetia muitas vezes, "o importante é a vida”. Mas não qualquer vida; a vida vivida na busca da transformação necessária que supere as injustiças contra os pobres, que melhore esse mundo perverso, vida que se traduza em solidariedade e amizade. No JB de 21/04/2007 confessou: ”O fundamental é reconhecer que a vida é injusta e só de mãos dadas, como irmãos e irmãs, podemos vive-la melhor”.
Seu comunismo está muito próximo daquele dos primeiros cristãos, referido nos Atos dos Apóstolos nos capítulos 2 e 4. Ai se diz que "os cristãos colocavam tudo em comum e que não havia pobres entre eles”. Portanto, não era um comunismo ideológico, mas ético e humanitário: compartilhar, viver com sobriedade, como sempre viveu, despojar-se do dinheiro e ajudar a quem precisasse. Tudo deveria ser comum. Perguntado por um jornalista se aceitaria a pílula da eterna juventude, respondeu coerentemente: "aceitaria se fosse para todo mundo; não quero a imortalidade só para mim”.
Um fato ficou-me inesquecível. Ocorreu nos inícios dos anos 80 do século passado. Estando Oscar em Petrópolis, me convidou para almoçar com ele. Eu havia chegado naquele dia de Cuba, onde, com Frei Betto, durante anos dialogávamos com os vários escalões do governo (sempre vigiados pelo SNI), a pedido de Fidel Castro, para ver se os tirávamos da concepção dogmática e rígida do marxismo soviético. Eram tempos tranquilos em Cuba que, com o apoio da União Soviética, podia levar avante seus esplêndidos projetos de saúde, de educação e de cultura. Contei que, por todos os lados que tinha ido em Cuba, nunca encontrei favelas mas uma pobreza digna e operosa. Contei mil coisas de Cuba que, segundo frei Betto, na época era "uma Bahia que deu certo”. Seus olhos brilhavam. Quase não comia. Enchia-se de entusiasmo ao ver que, em algum lugar do mundo, seu sonho de comunismo poderia, pelo menos em parte, ganhar corpo e ser bom para as maiorias.
Qual não foi o meu espanto quando, dois dias após, apareceu na Folha de São Paulo, um artigo dele com um belo desenho de três montanhas, com uma cruz em cima. Em certa altura dizia: "Descendo a serra de Petrópolis ao Rio, eu que sou ateu, rezava para o Deus de Frei Boff para que aquela situação do povo cubano pudesse um dia se realizar no Brasil”. Essa era a generosidade cálida, suave e radicalmente humana de Oscar Niemeyer.
Guardo uma memória perene dele. Adquiri de Darcy Ribeiro, de quem Oscar era amigo-irmão, uma pequeno apartamento no bairro do Alto da Boa-Vista, no Vale Encantando. De lá se avista toda a Barra da Tijuca até o fim do Recreio dos Bandeirantes. Oscar reformou aquele apartamento para o seu amigo, de tal forma que de qualquer lugar que estivesse, Darcy (que era pequeno de estatura), pudesse ver sempre o mar. Fez um estrado de uns 50 centímetros de altura E como não podia deixar de ser, com uma bela curva de canto, qual onda do mar ou corpo da mulher amada. Aí me recolho quando quero escrever e meditar um pouco, pois um teólogo deve cuidar também de salvar a sua alma.
Por duas vezes se ofereceu para fazer uma maquete de igrejinha para o sítio onde moro em Araras em Petrópolis. Relutei, pois considerava injusto valorizar minha propriedade com uma peça de um gênio como Oscar. Finalmente, Deus não está nem no céu nem na terra, está lá onde as portas da casa estão abertas.
A vida não está destinada a desaparecer na morte, mas a se transfigurar alquimicamente através da morte. Oscar Niemeyer apenas passou para o outro lado da vida, para o lado invisível. Mas o invisível faz parte do visível. Por isso ele não está ausente, mas está presente, apenas invisível. Mas sempre com a mesma doçura, suavidade, amizade, solidariedade e amorosidade que permanentemente o caracterizou. E de lá onde estiver, estará fantasiando, projetando e criando mundos belos, curvos e cheios de leveza.




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DragonBall Z - Saiyan Saga (DBZ Live Action Trailer)


Vi no Joven Nerd, muito bom para que gosta...


Cães Velhos Através da América...(vídeo excelente..)

Senior Dogs Across America:


http://player.vimeo.com/video/42675359?title=0&byline=0&portrait=0&badge=0&color=ff9933


Quem são os Guarani-Kaiowás?

Quem são os Guarani-Kaiowás?:

tirei do Comite de defesa popular


 Os guaranis são o maior povo indígena do Brasil com cerca de 70 mil pessoas.Este povo sempre se organizou em grupos, que caminhavam por toda a região sul da América do Sul. Para os guaranis a terra onde vivem é a Tekohá, que significa “ o lugar onde realizamos nosso modo de ser” e é, antes de tudo, um espaço sociopolítico. Atualmente, no estado do Mato Grosso do Sul vivem mais de 45 mil guaranis, sendo em sua maioria do subgrupo Guarani-Kaiowá.Situação de Violação de Direitos Humanos.Entre 1915 e 1928, algumas terras indígenas foram demarcadas com tamanhos reduzidos, sem levar em consideração o modo de vida Guarani e em diálogo com interesses econômicos e desenvolvimentistas da região. A situação se agravou nas décadas de 1970 e 1980, quando foi iniciada a plantação de soja no Mato Grosso do Sul, que aumentou o confinamento físico das terras indígenas. O que também dificulta a regularização dos territórios é o loby e o investimentos do capital nacional e um crescente interesse do capital internacional na produção de etanol, com a implantação de 40 novas usinas de cana de açúcar na região.
Em 2007 um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado entre a Fundação nacional do Índio e o Ministério Público Federal para a identificação e delimitação de terras Guarani-Kaiowás. O TAC não saiu das fases iniciais, como a publicação dos laudos antropológicos, previstos para 2009, e os pareceres e provas de reconhecimento de terras indígenas, que deveriam ter sido concluídos em 2010. Não existem justificativas plausíveis para tal morosidade, pois não há nenhum impedimento jurídico que impossibilite a realização do trabalho.
Desnutrição afeta 600 crianças indigenas no MS
Ato em Dourados pela Demarcação das Terras Indigenas
 falta do território faz com que milhares de Guaranis vivam confinados em pequenas reservas, que não garantem o mínimo necessário para subsistência da população. Outras centenas estão acampadas em beiras de estradas, do lado de fora do seu território ancestral. Isto gera insegurança alimentar e desnutrição, que segundo a Fundação nacional de Saúde afeta pelo menos 600 crianças indígenas no Mato Grosso do Sul. A falta da expectativa de viver na “terra sem males” resultou no suicídio de 555 Guaranis no últimos 10 anos, um por semana.
Ato em Dourados pelos Direitos Indígenas
Em 2010 foram registrados 36 assassinatos e 11 tentativas de assassinatos de indígenas envolvidos nas lutas por direitos territoriais, o que revela a omissão estatal em garantir a integridade e a vida dos membros políticos e religiosos da comunidade. Todos os casos permanecem sem solução por parte das autoridades responsáveis pela condução dos processos, o que tem gerado indignação nas comunidades e familiares e fazem com que as ameaças continuem.
Atualmente existem mais de 80 processos na Justiça Federal que visam impedir a demarcação do território Guarani. Durante o governo Lula foram homologados três territórios guaranis, mas dois deles tiveram a ocupação suspensa por liminar do Supremo Tribunal de Justiça (STF): Nanderu Marangatu, em 2006, e Arroio Korá, em 2009. Não há previsão de julgamento por parte do STF.
Fonte: Panfleto - CIMI - Conselho Indigenista Missionário

A desigualdade de raça no mercado de trabalho brasileiro

A desigualdade de raça no mercado de trabalho brasileiro:

tirei do Blog Comite de Defesa Popular

Em pleno século XXI persistem as graves desigualdades de gênero e raça no Brasil. Entender a dinâmica econômica e social da desigualdade entre os brasileiros brancos e afrodescendentes é fundamental para a construção de sociedade democrática e justa como a que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) defende.

Reconhecemos os avanços da legislação brasileira no que diz respeito ao combate à discriminação racial, porém, a diferenciação por raça ainda é uma das mais frequentes formas de exclusão social praticadas no país. O mercado de trabalho lidera o ranking desta desigualdade como mostra a precariedade dos vínculos: os negros têm salários menores, pior inserção ocupacional e são maioria nas taxas de desemprego. E o caso das mulheres negras é ainda mais injusto porque elas são duplamente discriminadas.

Segundo as Pesquisas de Emprego e Desemprego (PED) do DIEESE, em 2010, a taxa de desemprego total entre as trabalhadoras negras foi de 16,9% - mais que o dobro da taxa masculina dos não negros (8,1%). O rendimento médio das mulheres negras representava 44,4% dos homens não negros e o rendimento médio dos homens negros 62% dos não negros.

A desigualdade mais visível, que atinge a todos, independentemente da posição na ocupação ou setor de atividade econômica da atuação é, no entanto, a de salário.

A política de valorização do
salário mínimo negociada pela CUT e demais centrais sindicais com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diminuiu nos últimos anos a diferença de rendimentos no mercado de trabalho, principalmente entre negros e não negros.

A
política de cotas raciais nas universidades públicas é outro fator fundamental para mudar este quadro. O ProUni já ofereceu mais de 1 milhão de bolsas a estudantes de baixa renda e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) expandiu e interiorizou a educação pública.

Muito mais lentamente do que gostaríamos, o Brasil está pagando a dívida histórica que tem com os/as negros/as brasileiros/as. Mas é obrigação do movimento sindical e social pressionar para acelerar a criação e implementação de políticas públicas e sociais para acabar com a discriminação e a desigualdade social entre as raças superando o racismo acintoso e desrespeitoso que a maioria resiste em reconhecer.

Para a CUT, o Brasil só será um país verdadeiramente democrático quando houver justiça social e inclusão universal, quando todos os negros e as negras forem incluídos/as como cidadãos e cidadãs plenos/as, com todos os benefícios e direitos que os brancos sempre tiveram.

Com apoio do PNUD, indígenas Guarani-Kaiowá usam fogão ecológico como tecnologia social

Com apoio do PNUD, indígenas Guarani-Kaiowá usam fogão ecológico como tecnologia social:

vi no racismo ambiental


Conheça a história do fogão ecológico contada a partir da perspectiva dos próprios indígenas. O vídeo foi inteiramente produzido pela Associação Cultural de Realizadores Indígenas (ASCURI), como parte de uma iniciativa do PNUD que trabalha a inclusão digital nas aldeias.

Ainda não havia amanhecido na aldeia e Delma Gonçalves, 41, já caminhava há duas horas até o local em que os indígenas costumam recolher lenha. O caminho de volta, no entanto, era o mais penoso: sob o sol forte, tinha de carregar nas costas um feixe de 20 quilos de madeira. Dona Delma é uma das indígenas Guarani-Kaiowá da aldeia de Panambizinho, a 250 km da capital Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Durante anos, três vezes por semana, essa foi sua rotina matinal. “Tinha muitas dores na coluna. Eu chegava tão cansada que mal dava conta de cozinhar”, conta Delma. O fogo para fazer o almoço era feito no chão, de modo precário, com algumas latas para tapar o vento e uma resistência de geladeira improvisada como grelha.
Além de aumentar as dores na coluna, o fogo improvisado produzia muita fumaça, prejudicando a saúde dos moradores, principalmente das crianças, que sofriam com doenças respiratórias e tinham agravados casos de pneumonia, bronquite, sinusite e asma. Há alguns meses, a construção de fogões à lenha ecológicos de alta eficiência energética tem ajudado a mudar a realidade da família de Delma e de outras dezenas de famílias indígenas na aldeia de Panambizinho.
Desenvolvida por ONGs parceiras em um outro projeto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre eficiência e sustentabilidade energética na Caatinga, a tecnologia social para a construção do fogão ecológico está sendo adaptada à realidade indígena do Cerrado sul-mato-grossense. Ao contrário dos fogões à lenha tradicionais, que levam cimento e ferro na construção, o fogão ecológico utiliza apenas materiais de baixo custo e que podem ser encontrados na própria região como areia, argila, barro e tijolos de barro.
Esta iniciativa do PNUD faz parte de um programa conjunto com outras agências da ONU cujo objetivo é promover a segurança alimentar e nutricional de mulheres e crianças indígenas no Brasil. Ao todo, o projeto beneficia, direta e indiretamente, cerca de 53 mil indígenas no país. A tecnologia é considerada modelo de sustentabilidade e a intenção é que ela seja usada em outros projetos semelhantes ao redor do mundo. “O intercâmbio de boas práticas é um dos principais objetivos do Programa”, conta Carlos Castro, Coordenador da Unidade de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do PNUD Brasil.
Os materiais, aliados ao desenho mais estreito da cavidade para a lenha, funcionam como isolantes térmicos naturais, ajudando a reter o calor por mais tempo. A placa de argila que fica em contato com o fogo evita o desperdício de energia, conduzindo calor de forma contínua e prolongada. Como as placas se mantêm quentes por até 5 horas, mesmo depois de extinto o fogo, é possível cozinhar alimentos mais duros sem uma supervisão constante. “Antes não comia feijão. Agora como”, lembra Delma.

Tempo de construção do fogão

3 dias e meio são suficientes para construir o fogão e a estrutura de cobertura que o protege do sol e da chuva.
A tecnologia social está sendo adaptada pelo PNUD com ajuda do Fundo para alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (F-ODM), criado com doação do governo espanhol.
O Programa Conjunto “Segurança Alimentar e Nutricional de Mulheres e Crianças Indígenas no Brasil” (PCSAN) é realizado por cinco organismos da ONU (PNUD, FAO,OIT,OPAS/OMS e UNICEF), em parceria com o Governo brasileiro.

Saúde e meio ambiente

A saúde dos moradores também agradece, especialmente a das crianças. Além de mais nutridas, elas apresentam menos doenças respiratórias com a eliminação da fumaça nociva dentro de casa. Com o fogão ecológico, estes gases agora são levados pelo vento através das chaminés. Para o meio ambiente, os impactos são igualmente positivos. “O uso de lenha traz outras duas vantagens: independência dos fornecedores de gás e a não produção de gás de efeito estufa”, diz Castro.
A alta eficiência energética do fogão torna possível o uso de gravetos finos, folhas secas, sabugos de milho e cascas de árvore como combustível, que podem ser encontrados nos quintais das casas, onde estas famílias fazem os plantios agroflorestais. Um dos objetivos é que as famílias deixem de usar somente lenha grossa. A lenha mais fina possibilita o manejo ao redor da casa, diminuindo o impacto ambiental.
As longas jornadas de dona Delma para buscar lenha agora se limitam a visitas ao quintal, recolhendo pequenos galhos que caem das árvores. Essa redução do tempo de jornada para buscar lenha, também propicia um maior cuidado com o quintal, com os animais criados e com as plantas cultivadas nele.
“Uso o tempo pra cuidar das crianças e da casa. Posso tirar o mato, lavar roupa, varrer o terreiro. Também consigo cuidar da plantação”, conta a Kaiowá enquanto toma seu tereré. A população indígena no Brasil soma cerca de 800 mil pessoas. Os Guarani-Kaiowá são a segunda maior etnia do país.
Para os Kaiowás, o fogo tem um significado espiritual: é sinônimo de purificação. Em geral, ele é controlado pelas mulheres, que abraçam a responsabilidade de unir e alimentar a família. É ao redor deste fogo, agora sustentável e saudável, que dona Delma e outras mulheres indígenas de Panambizinho alimentam não apenas as necessidades físicas de suas famílias, mas também uma tradição milenar.
Compartilhada por Janete Melo.
http://www.onu.org.br/com-apoio-do-pnud-indigenas-guarani-kaiowa-usam-fogao-ecologico-como-tecnologia-social/

O caso dos conflitos fundiários em MS e o papel da Antropologia

O caso dos conflitos fundiários em MS e o papel da Antropologia:

vi no Racismo Ambiental...

Cacique Nízio Gomes. Foto: MPF
por Fabio Mura*
Uma decisão judicial revertendo uma reintegração de posse e tendo como beneficiária uma comunidade indígena, e, ademais, determinando que o Estado brasileiro (através do órgão indigenista oficial) promova a conclusão dos estudos para identificação e delimitação de uma terra indígena é seguida de uma chuva de artigos em jornais, revistas e blogs, que estão com ela diretamente relacionados. Em seu cerne, estes artigos focam-se num ataque aos antropólogos que são os profissionais responsáveis por tais tipos de estudos. Tal coincidência de fatos merece uma devida contextualização e uma análise, que passaremos a delinear.
O contexto que dá origem à solidariedade da sociedade civil para com os indígenas e à reação midiática em defesa do agronegócio.
Vem cada vez mais ganhando a atenção da sociedade civil a situação em que se encontram os indígenas Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandéva de Mato Grosso do Sul.
Os episódios de violência de que estes indígenas têm sido alvo em diversos enfrentamentos fundiários chamam a atenção por sua natureza: pessoas espancadas, feridas por arma de fogo, mortas, indícios de sequestro de corpos de vítimas para confundir investigações policiais, assim como um clima de tensão, gerado em cercos aos acampamentos organizados por esses indígenas nos espaços que consideram como de sua ocupação tradicional, e demonstrações de opulência paramilitar nas estradas que conduzem às fazendas da região.
Nos últimos tempos, a luta de uma comunidade kaiowa específica, Pyelito Kue, tem se constituído em algo emblemático pela tenacidade demonstrada por seus integrantes. Acampada próxima ao rio Hovy, no município de Iguatemi, sul do estado, essa comunidade afirmou uma disposição de morrer, antes de deixar o que consideram como suas terras de origem e de onde foram expulsas. Com efeito, não obstante a fragilidade de vida no acampamento – sofrendo de fome, com casos de suicídio entre seus membros –, as famílias de Pyelito reagiram à liminar de despejo emitida pela Justiça Federal de Naviraí (MS) dispondo-se a morrer na terra ancestral.
Todos esses fatores (embasados por outros de caráter especificamente jurídicos) eram de conhecimento do juiz, através da argumentação interposta pelo MPF. Na audiência para decidir o pleito, o juiz pode, ademais, contar com os esclarecimentos prestados pela antropóloga responsável pelos estudos de identificação e delimitação da terra indígena correspondente à comunidade de Pyelito, no concernente ao processo de expropriação fundiária que desembocou na expulsão das famílias de Pyelito de seus espaços de ocupação tradicional – ora reivindicados. Não obstante essas informações, e o fato de os índios ocuparem apenas um hectare do total de 700 da fazenda cujo proprietário impetrou a ação de reintegração de posse, a sentença foi desfavorável aos indígenas – de modo idêntico, aliás, à esmagadora maioria dos casos julgados em primeira instância em Mato Grosso do Sul sobre disputa fundiária envolvendo comunidades Guarani-Kaiowa e Guarani-Ñandéva.
Em seguida, a referida atitude dos indígenas provocou a solidariedade e a indignação de parte significativa da sociedade civil, que percebia na decisão judicial uma atitude que atentava ao direito à vida e à especificidade dessa vida do ponto de vista indígena, assim refutando o que se revela como um genocídio e um etnocídio dos Guarani.
Através das redes sociais da internet, iniciou-se uma campanha, de repercussão nacional e internacional, focada principalmente sobre o destino da comunidade de Pyelito e, de modo mais geral, sobre o destino de todo este povo.
Em decorrência de recurso da decisão no Tribunal Regional Federal, não apenas foi acatado o recurso, suspendendo a liminar de despejo, mas, no corpo da sentença, intimou-se o governo, responsável pelo processo administrativo, a publicar, no prazo de 30 dias, o relatório de identificação e delimitação da terra indígena – no caso, a “Terra Indígena Iguatemipegua I”, que abrange as comunidades de Pyelito Kue e Mbarakay.
É justamente a partir, e contrastando o mérito desta última decisão judicial, que no espaço de apenas duas semanas tem-se uma sequência de artigos publicados pela revista Veja e pela Folha de S. Paulo, apoiados em resultados de uma pesquisa feita pelo Datafolha, sob encomenda de um organismo nada isento de interesse, como é a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Mais do que aprofundar-se em entender casos específicos como o de Pyelito, o intento destes artigos é discutir quais seriam as “reais exigências e interesses dos índios contemporâneos” (sic).
Vejamos (e analisemos) a seguir os principais dados e argumentos apresentados pelos articulistas, bem como suas conclusões.
Os argumentos de certa mídia sobre os povos indígenas
Os artigos veiculados pela revista Veja (Visão medieval de antropólogos deixa índios na penúria), de Leonardo Coutinho (http://www.abant.org.br/file?id=864 – Nota de João Pacheco de Oliveira, Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas, em maio de 2010 sobre a matéria intitulada “A farra da antropologia oportunista”, elaborada pelo mesmo mau jornalista), e os de autoria de Reinaldo Azevedo (“As reservas indígenas e o surrealismo brasileiro: celular, televisão, cesta básica, Bolsa Família e 13% do território brasileiro para… nada! E há gente querendo mais!”, e “O que realmente querem os índios e o que alguns antropólogos querem que eles queiram”…), publicados respectivamente nos dias 4, 10 e 11 de novembro de 2012, bem como o artigo “Uma antropologia imóvel”, da senadora Kátia Abreu, na Folha de S.Paulo do sábado, dia 17 de novembro, apresentam estruturas argumentativas e objetivos bastante semelhantes, complementando-se entre si. A finalidade principal é apresentar resultados de pesquisas como aquela realizada recentemente pelo Datafolha, arrogando-se a competência necessária para analisar os dados produzidos, e apresentando situações sociais, culturais e materiais de suma complexidade, como se estas fossem de simples compreensão.
Improvisando-se em especialistas em antropologia e questões indígenas, os autores declaram que as “reais necessidades” dos indígenas contemporâneos seriam manifestadas a partir de uma lógica de consumo, em tudo semelhante àquela que impulsiona a classe média da sociedade nacional: os índios desejam celulares, televisões, casas de alvenaria, geladeiras, etc.
Afirma-se que escola e trabalho seriam, portanto, os caminhos para se conseguir estes bens, que permitiriam “progredir socialmente”, sendo a terra e os recursos naturais nela presentes de importância secundária, se não irrelevante. Declara-se que os indígenas (em geral) seriam, em suas origens, “pescadores, nômades e coletores”, como escreve a senadora Abreu, razão pela qual não teriam, em suas organizações enquanto povos, um vínculo específico com um determinado lugar; eles apenas “vagam” pelo Brasil”, como afirmado por Leonardo Coutinho. Não seriam agricultores, produtores de alimentos e as reivindicações fundiárias não surgiriam, portanto, das necessidades destes povos, mas da cabeça de missionários e antropólogos, que teriam convencido os índios (sempre nas palavras de Coutinho) “de que o nascimento ou o sepultamento de um de seus membros em um pedaço de terra que ocupem enquanto vagam pelo Brasil é o suficiente para considerarem toda a área de sua propriedade”.
Como fica evidente até mesmo nos títulos das matérias, a imagem que se quer transmitir é de uma antropologia que, propositalmente ou romanticamente, buscaria descrever os indígenas com características que seriam apenas de seus antepassados remotos, com o intuito de justificar a demarcação de amplas frações do território nacional para nelas continuar tutelando os povos indígenas. Reinaldo Azevedo chega a afirmar que o processo demarcatório estaria produzindo “uma horda de miseráveis com celular, televisão e DVD”.
Desta forma, acusa-se profissionais com uma longa formação acadêmica de manifestar um “pensamento medieval”, de promover uma “antropologia do miolo mole”, como definido pelo mesmo Azevedo em seu blog, ou ainda uma “antropologia imóvel”, segundo a expressão de Kátia Abreu. Com exceção feita ao escrito da senadora, cujo tom apresenta uma formal polidez , para veicular esses argumentos as matérias utilizam-se de uma linguagem arrogante e profundamente preconceituosa, quando não ofensiva, principalmente em relação aos indígenas.
Os Guarani (Kaiowa e Ñandéva) de Mato Grosso do Sul prontamente responderam aos argumentos de Coutinho, através de nota emitida pelo conselho da Aty Guasu, a assembleia geral destes povos, manifestando indignação e acusando a revista Veja de fomentar o preconceito para com os índios, apresentados que são como incapazes de pensar com suas próprias cabeças e de tomar suas próprias decisões. No tocante ao papel da Antropologia, cabe observar que especificamente a senadora, na abertura de sua matéria, parece reconhecer os profundos conhecimentos que a Antropologia vem acumulando a respeito dos diferentes povos indígenas, mas ao mesmo tempo afirma que seria injustificável que estas informações “sejam usadas como instrumento de dominação e manipulação”. Ainda citando o caso dos povos tupi e guarani, argumenta ela que estes “são estudados há tanto tempo quanto os astecas e os incas, mas a ilusão de que eles, em seus sonhos e seus desejos, estão parados no tempo não resiste a meia hora de conversa com qualquer um dos seus descendentes atuais”.
Pois bem, estas colocações nos levam a questionar: quem de fato está manipulando informações? Qual seria a Antropologia que não leva em consideração, em suas análises, as formas de viver e de conceituar o mundo por parte dos indígenas contemporâneos? Comecemos enfrentando a segunda questão, para, em seguida, nos dedicarmos à primeira.
Desconstruindo estereótipos e lugares comuns: o saber antropológico e a questão indígena
Indicaremos aqui, de modo sucinto, a complexidade dos dados e dos estudos voltados a identificar e delimitar uma terra indígena, bem como dos conhecimentos antropológicos, de modo geral. Para tal propósito, focaremos um contexto específico: o das reivindicações fundiárias feitas pelos Guarani Kaiowa e Guarani Ñandéva, em Mato Grosso do Sul. Com isto queremos evitar sermos excessivamente generalistas e, ao mesmo tempo, poder informar sobre o caso que desencadeou a reação de uma certa mídia, representada aqui pelos veículos e autores citados. O objetivo é revelar quão superficiais, mal informados, caricaturais e mal intencionados são os argumentos das matérias jornalísticas aqui tratadas.
Em primeiro lugar, é totalmente falsa a ideia de que todos os povos indígenas sejam ou tenham, um dia, sido nômades, centrando as suas economias na caça, na pesca e na coleta. E, mais importante ainda, quando nômades, estes não “vagam” por um espaço geográfico, mas constroem, através de suas experiências acumuladas ao longo de séculos, verdadeiros territórios de referência, nos quais baseiam suas atividades e desenvolvem suas vidas.
Em segundo lugar, significativa parte dos indígenas centra suas atividades econômicas na agricultura. Os Guarani aqui em tela são milenares agricultores, existindo uma ampla e rica literatura histórica, arqueológica e antropológica que documenta este fato. Esta mesma literatura coloca em destaque também o fato de os Guarani terem, ao longo de milênios, num processo de expansão civilizacional em busca de terras férteis, realizado amplas migrações; isto de modo algum os caracteriza como nômades, como é muitas vezes erroneamente apresentado pela mídia. Com efeito, ao considerarmos os últimos séculos, percebe-se um modo de ocupação sedentário; milhares de sítios arqueológicos justamente revelam para os Guarani uma continuidade ocupacional e o desenvolvimento de rotações de cultivos ao redor de centros de habitações.
Estes centros são construídos nas proximidades de fontes de água (nascentes, córregos e rios), formando amplas redes de comunidades locais. A relação entre estas comunidades, que permite a integração social e a cooperação, é determinada por uma elevada mobilidade espacial, para participar de rituais, realizar atividades econômicas (coleta, caça e pesca), socializar, visitar parentes, estabelecer casamentos, formar ou fortalecer alianças e, antigamente, para organizar e empreender ações guerreiras. Como fica claro, esta mobilidade não representa absolutamente um “vagar” pelo Brasil (ou entre Brasil e Paraguai), conforme pretendido por Leonardo Coutinho em sua matéria.
Em terceiro lugar, é importante destacar que os indígenas não são uma realidade abstrata e homogênea, cada povo sendo um sujeito histórico com suas peculiaridades, constituídas ao longo do tempo, em situações sociais, econômicas e territoriais concretas. Neste sentido, os povos indígenas não podem ser vistos como estáticos, relegados a um modo de vida pretérito, nem como seres passivos, suas vidas, desejos e inspirações sendo definidas apenas por fatores externos ao seu próprio agir. Não cabe dúvida de que o impacto da colonização e o contato com outras civilizações têm-lhe proporcionado novos saberes, tornando as experiências individuais e coletivas mais ricas e diversificadas. Por outro lado, é também verdade que estas novas experiências não são realizadas a partir de um vazio de informação, de parâmetros e de lógicas de entendimento sobre o mundo; os indígenas vêm, ao longo de séculos e milênios, construído tradições de conhecimento, produzindo cosmologias, definindo quadros morais, lógicas de troca, circulação e uso de bens materiais e simbólicos, fatores estes que permitem a definição de parâmetros para dar um sentido específico a suas coletividades.
É a partir da compreensão destes parâmetros, que costumam ser bastante sofisticados, que podemos entender qual espaço um determinado objeto ocupa na escala de valores definida pelos indígenas, qual será o seu destino de uso, suas propriedades simbólicas, como este pode ser transacionado, trocado, distribuído, etc. Para dar um pequeno exemplo, quando se encontram geladeiras nas residências kaiowa, estas são utilizadas de uma forma bem específica: suas prateleiras são quase totalmente ocupadas por garrafas PET cheias de água, que é destinada ao preparo do tererê (infusão fria da erva mate), consumido geralmente de modo coletivo, quando da visita de parentes, algo constante nas residências destes indígenas. Fica, portanto, óbvio que a eficiência técnica da geladeira, como instrumento que subtrai calor, é algo apreciado pelos kaiowa, mas o uso social deste objeto é definido de modo bem particular. Este exemplo representa apenas a ponta de um iceberg, cuja base não poderemos apresentar aqui por falta de espaço, havendo que se levar em conta todos os parâmetros acima descritos, que são absolutamente diferentes daqueles que servem como referência aos membros da nova classe média nacional, e não similar, como pretendido em seu blog por Reinaldo Azevedo.
Há que se considerar, ainda, que a terra não representa para os povos indígenas em geral um mero meio econômico, assim como a agricultura e outras atividades produtivas não apresentam apenas aspectos materiais, sendo intimamente ligadas à ordem cósmica, adquirindo fortes conotações religiosas. Neste sentido, no caso dos kaiowa, pensar-se que a retirada forçada de seus integrantes de significativas porções de seus territórios de ocupação tradicional, com a sucessiva depauperação dos mesmos (por desmatamento para pecuária extensiva e monoculturas exportadoras) leve estes indígenas a renunciarem àqueles espaços territoriais, representa uma visão extremamente superficial do fenômeno em pauta. Com efeito, as famílias indígenas consideram-se pertencentes a esses lugares, cujo uso material e simbólico revela-se para elas fundamental na manutenção da ordem cósmica e no destino de seu povo.
As violências (físicas e simbólicas) sofridas por efeitos da colonização têm, ao contrário, conduzido a uma exaltação simbólica das propriedades da terra e dos lugares de origem, num complexo processo de construção cultural do sentido de pertencimento territorial, étnico e cósmico. Esta complexidade emerge através de acuradas pesquisas e não resulta das presumidas fantasias de “antropólogos de miolo mole” (como disse Azevedo), que estariam convencendo os índios de que “o nascimento ou o sepultamento de um de seus membros em um pedaço de terra” lhes outorga o direito de propriedade sobre o mesmo (como afirmado por Leonardo Coutinho, na Veja).
Finalmente, é importante observar que quando se identifica e delimita uma terra indígena busca-se relacionar famílias indígenas concretas e específicas com espaços territoriais também concretos e específicos. Para tal propósito é necessário verificar as modalidades de uso, conceituação e exploração do território por parte do grupo em consideração. Assim, em Mato Grosso do Sul, a tarefa consiste em analisar a relação de comunidades indígenas contemporâneas com os lugares de onde foram expulsas há apenas poucas décadas, delimitando-se apenas os espaços necessários à reprodução física e cultural dessas comunidades específicas, conforme os ditames da Constituição Federal vigente. No caso da comunidade de Pyelito Kue, que tem atraído toda essa atenção midiática, por exemplo, trata-se de um esbulho ocorrido a partir dos anos 1940 e que se acirrou com uma remoção maciça das famílias indígenas dos lugares que consideram de sua origem no final da década de 1970. Não se trata, pois, de definir um elo imemorial com a situação pré-colonial, criando um território indígena abstrato e sem parâmetros no tamanho. Portanto, é totalmente desprovido de fundamento afirmasse que, uma vez que antes da conquista europeia o Brasil era habitado unicamente por indígenas, estes últimos poderiam reivindicar hoje a totalidade da sua superfície, colocando assim em perigo o resto da população do país (e a capacidade produtiva e econômica da nação).
Inúmeras páginas ainda poderiam detalhar os fatores necessários para se desenvolver uma adequada pesquisa que dê embasamento aos Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação de uma Terra Indígena (orientada, aliás, por regulamentação específica e criteriosa), feitos pelos antropólogos, mas, por motivos de espaço, isto se torna impossível. O objetivo maior é apontar sua complexidade, ao tempo que revela a desinformação, a banalização e a distorção da realidade que são apresentadas nos artigos aqui elencados. Poder-se-ia talvez afirmar que isto é fruto da ignorância, mas isto não é uma justificativa válida. Há uma vasta e riquíssima literatura sobre povos indígenas, constituída por publicações, dissertações e teses, bem como por relatórios de identificação de terras e laudos periciais antropológicos, que poderia bem ser consultada. Por que será que isto não ocorre?
Pensamos que seja não um problema de mera ignorância, mas devido a uma proposital intenção de manipular a informação, cujas razões consideraremos a seguir.
Os interesses do agronegócio e a Antropologia como incômodo
Os estudos e aprofundamentos antropológicos podem se constituir em uma ameaça aos interesses do agronegócio. A imprensa que apoia as suas razões, por sua vez, sabe que em processos administrativos e jurídicos, argumentações bem fundamentadas, fruto das pesquisas de profissionais sérios, com formação consistente e ampla experiência sobre os indígenas podem redundar no reconhecimento de direitos territoriais, colocando assim em risco seus empreendimentos. Seus representantes sabem, igualmente, que atacar diretamente a Antropologia como um todo, uma ciência com mais de um século de formação, seria contraproducente; proceder deste modo os exporia, deixando transparecer de modo evidente e radical a unilateralidade de seus próprios interesses.
Não podendo afrontá-la diretamente, enveredam por caminhos indiretos. Em lugar de conduzir o debate a partir de conteúdos antropológicos, lançam mão dos sentimentos nacionalistas, suscitando com isto alarmismos, ao afirmar que os índios atentam à soberania nacional, representam o atraso e estão associados a interesses estrangeiros. Recorrem também a ataques pessoais, buscando contrastar os profissionais antropólogos não tanto em seus argumentos, mas como indivíduos, que seriam suspeitos. Ainda assim, necessitam contornar o fato de que os argumentos antropológicos lhes são inconvenientes. Constroem então o expediente de se referir aos antropólogos que realizam identificações e laudos periciais como sendo representantes de “certa Antropologia”.
É bastante evidente o objetivo desta estratégia: deixar imaginar a existência de outras possíveis Antropologias, cujos argumentos refutariam aqueles normalmente apresentados nos relatórios e nas perícias. Afirma-se, por exemplo, que os antropólogos da FUNAI em Mato Grosso do Sul estariam querendo demarcar o maior número de terras indígenas para nelas perpetuar a tutela. Isto é algo falso, na medida em que os Grupos Técnicos que estão realizando os trabalhos naquele estado são coordenados por antropólogos que não são funcionários desta instituição oficial.
Ademais, esses antropólogos têm formação acadêmica em nível de doutorado ou mestrado, em sua maioria sendo professores de universidades federais, com experiência sobre os indígenas em pauta, tendo defendido sobre eles dissertações e teses, publicando livros e diversos artigos científicos.
É evidente que estas estratégias discursivas são rapidamente desmascaradas frente a um crivo acadêmico. Porém, há que se evidenciar que o seu principal alvo (além obviamente da opinião pública, contribuindo para reforçar lugares comuns) é o mundo jurídico, mais especificamente a Justiça Federal, buscando influenciar suas decisões, formando verdadeiros dossiês, compostos com matérias de artigos impressos e da internet. Por vezes os juízes não possuem parâmetros para discernir sobre a qualidade de um estudo antropológico, nem sobre correntes, paradigmas teóricos, metodologias, etc. É justamente em virtude desta situação que, por exemplo, em vários contra-laudos (documentos elaborados para contrastar os relatórios de identificação de terras e as perícias antropológicas) são exaltados determinados autores que sequer têm formação antropológica, apresentando-os como eminências na disciplina, buscando criar assim uma Antropologia fictícia, a ser contraposta àquela “Antropologia do miolo mole”.
Gera-se, nesses termos, uma imagem de autoridade sobre a matéria, cuja verificação se torna de difícil realização pelos juízes, que confiam na idoneidade de seus elaboradores.
Por último mas não menos relevante, ao deslocar a atenção do conteúdo e da qualidade dos relatórios antropológicos de identificação de uma terra indígena para um ataque à FUNAI, essas estratégias discursivas buscam igualmente desestabilizar e deslegitimar a estrutura do Estado, procurando interferir, o máximo possível, nos processos administrativos voltados ao cumprimento de ditames constitucionais.
*Fabio Mura é antropólogo e membro da CAI.
Compartilhada por Ricardo Verdum.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-caso-dos-conflitos-fundiarios-em-ms-e-o-papel-da-antropologia/